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Cultura em Portugal: o Estado, as Empresas e a Sociedade Civil, Jorge Barreto Xavier


O Secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, proferiu, no passado dia 13 de Dezembro, no âmbito do primeiro encontro do Ciclo "6 Debates, 6 Temas - Cultura: outros modos de ver" promovido pelo Grupo de Trabalho da Cultura da Sedes - Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, uma intervenção que podemos considerar matricial na definição da política do sector.

Com o título "O Estado, as Empresas e a Sociedade Civil", e perante uma assistência de cerca de quarenta pessoas, Barreto Xavier apresentou e discutiu a política cultural a implementar em Portugal, abordando assuntos como o Orçamento de Estado, a Lei do Mecenato, a Lei do Cinema, os vários valores associados à Cultura, números e tendências às escalas nacional e europeia. O actual SEC definiu ainda cinco valores essenciais sobre os quais se orientará a área da Cultura no nosso país: pluralidade, coesão, identidade, resiliência e crescimento. A patrimonio.pt publica assim este texto da maior importância no actual contexto do sector em Portugal, agradecendo a disponibilidade da Secretaria de Estado da Cultura para o efeito, e esperando que seja motivo de forte debate entre os nossos leitores.

Cultura em Portugal: o Estado, as Empresas e a Sociedade Civil

É missão do Secretário de Estado da Cultura, nomeadamente, garantir a salvaguarda e apresentação do nosso importante património cultural e arqueológico, o funcionamento e programação dos nossos museus, a existência dos serviços públicos do livro e da leitura, a proteção e acessibilidade dos arquivos históricos, os serviços das instituições nacionais clássicas da música, do teatro e da dança, a atividade dos grandes centros culturais participados pelo Estado, do apoio do Estado para a concretização do desígnio constitucional de liberdade de criação cultural, concretizado pelo apoio às artes e ao cinema, do desenvolvimento das vertentes económicas da cultura, da articulação da cultura com a educação e da articulação da cultura com o turismo, de preservação e desenvolvimento dos direitos dos autores, criadores e intérpretes e dos requisitos da profissionalização e proteção social do sector cultural e, naturalmente, a agilização dos dispositivos que permitam a todos os Portugueses o acesso à fruição cultural como parte do seu estatuto de cidadania.

A cada momento, deve cada incumbente no cargo, interpretar, de acordo com o Programa de Governo e as possibilidades de ação a forma como pode cumprir esta missão. Esta missão tem, no meu entender, no conhecimento e na inovação elos importantes para a sua operatividade.

O conhecimento e a inovação devem ter um denominador comum na Cultura e na Ciência.

Na Cultura, por ser através da articulação entre o nosso património cultural e a criação contemporânea, entre os nossos documentos e a nossa capacidade criativa, que se desenrolam os modos do estar e do ser em sociedade, de identificar, ler e compreender os papéis pessoais e sociais, e de projetar uma ideia de destino pessoal e de destino comum.

Na Ciência, por ser através dela que criámos os dispositivos que sustentam as tecnologias do Presente, tecnologias que se tornaram parte da ontologia do Presente, da cultura do Presente e não simples instrumentos de uso. Mas se é verdade que as políticas públicas de ciência em Portugal têm tido relativa estabilidade e consenso para a sua instalação e desenvolvimento nos últimos 17 anos, tal não tem acontecido com as políticas públicas de cultura, sujeitas a variações significativas.

A soberania – o elemento substantivo da afirmação de dada sociedade em relação a si própria e aos outros - passa hoje mais pelo poder de delimitarmos o nosso eu e os territórios de pertença pela Cultura e pela Ciência do que pela delimitação geográfica de uma fronteira guardada por um exército, independentemente do poder de dissuasão a que corresponde o poder bélico.

A soberania passa hoje pela capacidade de determinada comunidade conseguir reforçar a sua coesão por via da articulação do Estado com as empresas e a sociedade civil. Esta articulação já não funciona pela simples imposição de determinações obrigatórias das partes mais fortes sobre as partes mais fracas mas pela capacidade de conjugação de interesses e objetivos, de negociação e de encontro de uma via para a concretização do bem comum.

Hoje, no mundo e na Europa, em cada País e dentro dele, esse caminho parece muito estreito, perante interesses e perspetivas muito divergentes sobre o que é o bem comum.

Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa (imagem retirada de http://www.publico.pt/cultura/jornal/empresas-culturais-e-criativas-geraram-56-mil-milhoes-de-euros-em-2011-25819755)

Como se define hoje comunidade no desafio da pluralidade?

A cultura é domínio necessário da resposta social a esta pergunta contemporânea.

A resposta é ela própria complexa e aberta, pois que: - A identidade cultural exige um trabalho de recepção do património cultural acumulado ao longo de gerações;

- A pluralidade cultural e artística, proveniente do convívio no mesmo território de diferentes etnias e valores deve ser respeitada;

- O Estado não pode ser uma entidade de determinação e transmissão de dispositivos culturais e artísticos dominantes;

- Os meios e sistemas de comunicação de massas e de comunicação em rede criam efeitos de validação de fenómenos culturais e artísticos de forma espontânea mas com pouca durabilidade ou profundidade;

- As diferenças de níveis de literacia, condição económica e social exigem ações proativas para garantir a equidade.

A Cultura tem a si associada uma série de valores entre os quais:

O valor social:

Pelo reforço do sentido de comunidade e pertença dentro da diversidade que a caracteriza, e potencia a riqueza das sociedades contemporâneas para lá e independentemente do seu valor económico.

O valor educativo:

A educação não é um valor completamente autónomo, a educação é um meio para um fim. O fim da educação é a formação de cidadãos no quadro de determinado modelo de sociedade. O modelo de sociedade é uma representação cultural e por isso a cultura é inerente aos processos educativos formais, não formais e informais. Nestes termos, a Cultura é um valor educativo essencial, na formação de cidadãos, profissionais, públicos, de veiculação e sedimentação de valores individuais e coletivos.

O valor económico:

O investimento na cultura cria valor económico direto. Os bens culturais geram externalidades positivas, afectando positivamente um número alargado e indiferenciado de pessoas, para lá do seu custo direto. Os bens culturais contrariam a lei da utilidade marginal decrescente – a maior parte das vezes, por exemplo, quanto mais se lê ou quanta mais música se escuta, mais se quer praticar essas ações. Os bens culturais contrariam a lei da escassez, pois muitos deles, como um livro, um filme, um disco, podem ser partilhados quase até ao infinito. A economia da cultura demonstrou ser elemento de enorme relevância na construção do modelo de sociedade europeia contemporânea.

O valor institucional:

Pelos valores que salvaguarda e serviços que presta (proteção do património cultural, gestão dos museus, organização e acesso a bibliotecas, estímulo à criação artística, por exemplo), a Cultura tem a capacidade de gerar confiança na esfera comum, o que tem importância numa época e num mundo de incerteza cívica e com necessidade de reconhecer o rosto do serviço público.

O valor territorial:

Está demonstrado que muitas das opções de viver em determinado território se fazem com base nas características culturais do mesmo assim como que a Cultura se desenvolve e interage em cada território de forma diferenciada.

Uma abordagem da cultura a partir do território constitui, pela proximidade espacial entre recursos culturais, patrimoniais e turísticos, um forte estímulo à criação de sinergias, que se traduzem em ganhos de sustentabilidade.

Santuário do Senhor Jesus da Pedra, Óbidos (imagem retirada de http://www.cister.fm/informacao/cultura/senhor-da-pedra-caminho-de-ser-monumento-de-interesse-publico)

Tendo em conta as diferentes vertentes de valor que a Cultura engloba, teremos de conceber uma infraestrutura de avaliação de custos e benefícios mais completa do que a atualmente usada, de modo a podermos planear e avaliar a sua sustentabilidade, com maior verdade económica e social. Há necessidade de melhorar os instrumentos de medição do valor da Cultura, nomeadamente, em termos de custo-benefício, parâmetro necessário para a justificação de políticas públicas. Se a medição do custo-benefício se desenvolveu em domínios como a Saúde, o Ambiente, a Educação, torna-se necessário desenvolver os instrumentos relativos à área da Cultura. Esta necessidade não pode levar a uma paralisação das políticas públicas da Cultura, antes acompanhar a sua prossecução e não pode esquecer o princípio fundamental que determina o valor e o racional da cultura: a cultura tem valor intrínseco, autónomo do seu valor económico e só a salvaguarda e promoção desse valor confere possibilidades de desenvolvimento em termos de bem económico, como demonstram estudos recentes1.

Defendemos que deverão ser concebidos modelos que utilizem parâmetros que permitam fazer uma avaliação que transcenda a métrica contabilística imediata, respeitando sempre os valores da sustentabilidade, da responsabilidade e o rigor financeiro. Tal significa, nomeadamente, a criação, na órbita do Instituto Nacional de Estatística, da conta satélite da Cultura e uma maior harmonização a nível europeu e do Eurostat dos parâmetros estatísticos para a Cultura.

Vejamos agora, alguns dados numéricos que nos ajudam a pensar:

o sector cultural e criativo que engloba as artes performativas e visuais, o património, os museus, os arquivos e bibliotecas, o cinema, a televisão, o vídeo, indústria da música, o entretenimento, a edição, emprega 3,6 milhões de pessoas na Europa a 27 representando 1,7% do emprego e gerando 1,9 milhares de milhões de euros de exportações de acordo com dados de 2009 do Eurostat. As classificações estatísticas da União Europeia2 ainda não permitem contabilizar o emprego ou o volume de atividade gerado pelas áreas do design (moda, gráfico, industrial, joalharia), arquitetura, criação de conteúdos, programação de computadores, arte e educação, turismo cultural, indústria de jogos, atividades culturais em plataformas digitais, publicidade. Mas, referindo-se à soma do emprego e PIB das áreas classificadas como “indústrias criativas”3, o European Competitiveness Report 2010 atribui-lhes 3% do emprego total e 3,3% do PIB. A importância deste sector é também realçada pelo documento de prospectiva de 2012 do Fundo Europeu de Investimento (FEI), que, referindo-se ao European Competitiveness Report 2010, atribui a este sector 4,5% do PIB e 3,8% do emprego total da União Europeia a 27. Para além destes números, não podem ser esquecidos os que se referem ao sector não lucrativo na área da Cultura. Apesar de algumas variações na contabilização do sector cultural e criativo, cuja consolidação e harmonização é urgente, é inequívoca a sua crescente relevância ao lado ou à frente de grandes sectores económico-sociais tradicionais.

Direcção-Geral dos Arquivos, Torre do Tombo, Lisboa (imagem retirada de http://espacoememoria.blogspot.pt/2010/10/arquivos-de-familia-secs-xiii-xviii-que.html)

De acordo com os dados mais recentes do Eurostat (apresentados em 2011), a Cultura tem um lugar proeminente na vida dos Europeus. 77% das pessoas inquiridas em toda a União Europeia responderam que a Cultura era importante nas suas vidas enquanto 22% disseram o contrário. A maior parte dos Europeus (39%) associa Cultura com artes e em segundo lugar com literatura, poesia e dramaturgia (24%) e com tradições, linguagens e costumes (também 24%). Menos de 10% associa Cultura com valores e crenças, o que revela uma representação mais virada para o contacto com a parte tangível do bem cultural e, eventualmente, que o modo como as perguntas de inquérito foram colocadas não permitiu aferir a percentagem do reconhecimento do valor do património cultural.

A atratividade cultural (depois do preço) é a segunda motivação para os Europeus decidirem onde passam férias. Neste período de maior dificuldade económica, os Europeus que têm de reduzir despesas nas suas férias fazem-no primeiro nos restaurantes e compras e só depois na Cultura e Entretenimento.

Falemos agora da estratégia 2020:

O conjunto dos Estados Membros da União Europeia aprovou em Junho de 2010 a Estratégia 2020, onde coloca como objetivo um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, baseado numa economia do conhecimento e inovação.

De acordo com esta perspetiva, em Janeiro de 2012 a Comissão Europeia apresentou o Programa Creative Europe destinado ao sector cultural e criativo, para o período 2014-2020. Esta proposta integra os anteriores programas Cultura, Media e Media-Mundus, com um orçamento proposto de 1,8 milhares de milhões de euros para o conjunto dos sete anos e correspondendo a um aumento de 37% do valor até agora investido neste domínio. Também os fundos FEDER têm um novo desenho para o mesmo período – as Smart specialization strategies (S3). Finalmente, a Agenda Digital, uma das sete iniciativas de referência da Estratégia 2020 da Comissão Europeia e uma grande oportunidade para a área da Cultura.

Num momento de dificuldades económicas e sociais na Europa e em Portugal, a aposta política da Comissão Europeia sobre a importância da Cultura e Criatividade é um dos factos políticos imediatos da Estratégia 2020, que Portugal apoia.

Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa (imagem retirada de http://www.publico.pt/cultura/noticia/biblioteca-nacional-lanca-edicoes-em-ebook---1530718)

Qual é a situação em Portugal na área da Cultura?

Em 2010, e de acordo com os dados mais recentes do INE (que obedecem a padrões do Eurostat, que, como vimos, não incluem uma larga fatia de atividades diretamente relacionáveis com o sector cultural e criativo), o sector cultural e criativo empregava 81,1 mil indivíduos, representando 1,6% do emprego total da economia portuguesa. Esta população empregada tem níveis de formação superiores ao da média da população portuguesa, com 32,5% com o nível de ensino superior completo e 27,5% com o nível de ensino secundário completo. De referir que, tanto em termos de graus de qualificação como em percentagem do emprego na Cultura em termos de emprego global, estamos significativamente abaixo da média de Espanha e da média da UE, apesar de se saber que é um sector em crescimento na Europa. Em 2009, o número de empresas com atividade principal nas áreas culturais e criativas era de 51 565. As empresas na área das atividades de artes do espetáculo representavam 27,9%, as de arquitetura 19,4% e as empresas de comércio e retalho de bens culturais e criativos em estabelecimentos especializados, 12%. As empresas culturais e criativas, em 2010, geraram um volume de negócios de 6,2 mil milhões de euros, destacando-se as que envolveram comunicação de massas (publicidade, televisão, edição, artes do espetáculo). Em 2010, foram exportados produtos culturais no valor de 57 milhões de euros e o valor de entrada ultrapassou os 223,3 milhões de euros (a tendência de crescimento de exportação de obras de arte em 2012 não corresponde a uma situação de desenvolvimento mas de simples alienação de património em momento de crise).

Em 2010, as autarquias locais, no seu conjunto, assumem uma despesa pública na área da Cultura de 433,9 milhões de euros, contra 240,4 milhões de euros do então Ministério da Cultura. O orçamento para 2013 do Secretário de Estado da Cultura foi estimado em 189,7 milhões de euros. Nestes termos, e reportando-nos a 2010 por ausência de dados comparativos para 2012, a despesa dos municípios com Cultura representa mais de 8% das suas despesas totais, enquanto as do Orçamento de Estado aproximadamente 0,38%.

De realçar a apetência formativa e profissional das novas gerações para a área cultural e criativa. Em 2010, havia 44 000 indivíduos inscritos no Ensino Superior (mais 3,8% que em 2009) neste domínio, correspondendo a 11,5% do total de inscritos no Ensino Superior.

Também em termos de públicos, há uma tendência de aumento, de acordo com os dados de 2010: houve 16,6 milhões de espetadores de cinema (mas uma queda de, aproximadamente 1 milhão de espetadores em 2011 para valores de 2009, o que faz pensar que esse aumento foi pontual), 10,2 milhões de espetadores de espetáculos ao vivo (com um aumento na música ligeira e redução no teatro), e mais de 9 milhões de visitantes de museus e galerias de arte.

Sala Manoel de Oliveira, Cinema São Jorge, Lisboa (imagem retirada de http://www.surfatlisbonfilmfest.com/cinemasaojorge/)

Todavia, estes aumentos de público não nos devem impressionar exageradamente:

- A frequência de cinema em Portugal corresponde ao 14º lugar no quadro dos 27 países da UE, sendo que a maior parte dos filmes com maior permanência são filmes mainstream de produção americana, seguidos dos filmes de produção europeia e portuguesa;

- a crescente tendência para a frequência de espetáculos de música ligeira e festivais de Verão é correlativa do decréscimo de frequência de espetáculos de teatro e baixa frequência de espetáculos de música erudita e dança não revela uma sociedade sofisticada;

- os jardins zoológicos, botânicos e aquários são preferidos a qualquer tipo de museu.

- A venda de livros tem decrescido.

Mas se estes dados revelam fragilidades na sofisticação dos consumos culturais, a sociedade civil portuguesa tem um tecido rico em termos de participação cultural:

Do lado amador, são milhares as associações que promovem a música (entre conservatórios, bandas filarmónicas e outras), o teatro e a dança (teatro amador, ranchos folclóricos, nomeadamente), as artes visuais e aplicadas.

Do lado profissional, milhares de organizações culturais não lucrativas promovem em todo o País atividades culturais, sendo crescente o reconhecimento nacional e internacional da qualidade dos resultados apresentados.

É necessário articular as necessidades de contenção da despesa pública com um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo baseado numa economia do conhecimento e inovação.

Este objetivo geral da Estratégia 2020 da UE serve bem aos propósitos do modelo de desenvolvimento expectável para o nosso País. Neste tipo de modelo, a sustentabilidade não se coloca só a nível económico ou ambiental. Coloca-se também e de forma decisiva na sustentabilidade dos desafios para o Estado, as empresas e a sociedade civil, em termos da sua capacidade de resposta e crescimento, que têm de ser cruzadas. A capacidade de resposta depende de três elementos básicos: condições económicas, condições formativas e condições culturais. As condições económicas permitem garantir estabilidade e confiança para a ação. As condições formativas permitem responder aos desafios profissionais. Mas só as condições culturais permitem à economia e à formação profissional a consolidação da cidadania, que decorre de uma literacia integral.

Foto de Victor Hugo Pontes. "As três irmãs", de Anton Tchekhov, em cena no Teatro Nacional D. Maria II em 2011 (imagem retirada de http://victorhugopontes.blogspot.pt/2011/05/as-tres-irmas-teatro-nacional-d-maria_15.html)

Propõe-se neste quadro cinco conceitos chave que orientarão a área da Cultura em 2013, desenvolvendo e aprofundando as Grandes Opções do Plano na área da Cultura:

- Pluralidade

- Coesão

- Identidade

- Resiliência

- Crescimento

A pluralidade: É função do Estado garantir a pluralidade de manifestação cultural, sem ignorar ou tratar por igual agregados que por dimensão social são diferentes, procurando exercer um juízo equitativo que efetue uma discriminação positiva nas situações de carência mas que não menospreze ou diminua a expressão de realidades sociais pré-existentes.

O Estado não pode exercer uma política de gosto mas deve exercer políticas públicas na área da Cultura que promovam o seu acesso, presença e pluralidade, enquanto bem social reconhecido como bem social básico.

Um dos veículos decisivos para a concretização responsável da pluralidade é a sociedade em rede, hoje suportada nas redes digitais.

A coesão: a Cultura coloca em comum o espaço público.

É importante que a sociedade portuguesa, no seu todo, valorize as suas competências patrimoniais (naturais, construídas, móveis e simbólicas) e a criação contemporânea (nas artes, na literatura, no design, nas aplicações na educação, no território, na indústria, no comércio, no lazer, no turismo) enquanto condição de liberdade individual e coletiva. Esta valorização é estratégica para a competitividade e emprego, mas também para a inclusão. A inclusão é um elemento demonstrativo da coesão social e sem esta, nenhuma sociedade é viável no médio e longo prazo.

Temos de nos comprometer para que a evolução da sociedade portuguesa seja no sentido de ganhos para todos. Essa aposta humanista e personalista tem na Cultura um elemento determinante, não só para os mais pobres mas para todos os que, com capacidade empreendedora, pretendem que a cultura e a criatividade sejam fonte de trabalho e criação de riqueza.

A identidade

A pluralidade e a coesão são objetivos estratégicos que conduzem a um sentido de identidade vivido e não simplesmente enunciado. A identidade afirma-se pois como processo dinâmico e participado.

O património cultural, designadamente os museus, galerias, palácios, monumentos e outros, estas instituições conferem identidade ao indivíduo e ao grupo, esclarecem os percursos das diferentes comunidades que habitam em territórios comuns, institucionalizam valores e transformam-nos em património comum, sendo por estas razões importante ativos identitários e de coesão social.

As instituições culturais devem ser consideradas como dispositivos que contribuem para equilibrar as entropias decorrentes do devir histórico, visto terem capacidade para agregar a diversidade e dar-lhe leitura ou propostas de leitura, tornando-a parte do todo e constituindo-se como instituições aglutinadoras de valores intangíveis.

As artes e os movimentos contemporâneos – o património do futuro – são elementos decisivos para a vivência da identidade. Uma identidade remetida em exclusivo para a memória é uma identidade fechada e frágil. A confiança no poder criativo individual e coletivo e na sua capacidade para gerar qualidade de vida é necessária para conferir confiança a uma sociedade no contexto da globalização.

A resiliência

A resiliência, um conceito originário da física, refere-se à resistência ao stress e à capacidade de retorno ao equilíbrio. Como se percebe, os tempos que vivemos devem ter na resiliência elemento constituinte de uma estratégia de sobrevivência, na certeza de que a pressão não será contínua, apesar de ser superior ao desejável. A resiliência não se constitui, em termos de factor humano, a um mero “aguentar os pesos excessivos”. A resiliência implica uma atitude interior de resistência e resposta à adversidade. É decisivo no tempo em que vivemos, para lá do protesto primário, procurar, no âmbito da realidade europeia e portuguesa, concentrar energia no desafio da dificuldade e na preparação do crescimento.

O crescimento

O erro das sociedades ocidentais pós- II Grande Guerra foi identificar, de forma reducionista, crescimento com crescimento económico. O crescimento económico é elemento gerador de bem-estar e, idealmente, fator de distribuição de riqueza. Foi esse paradigma que sustentou o modo de vida europeu nos últimos sessenta anos. Hoje é claro que orientarmos a visão do crescimento pessoal e social para uma visão limitada ao crescimento económico é errado. Não só porque se demonstrou que o crescimento económico não é eterno, como se percebe que a defesa do nosso modo de vida, apesar de precisar da sustentabilidade de uma melhor economia, não depende só dela.

A Cultura confere a cada indivíduo uma oportunidade decisiva de se afirmar como cidadão.

A cultura é condição de liberdade e é preciso pensar e agir para que a liberdade seja, de facto, elemento constitutivo da cidadania.

É nesse sentido que orientarei a minha ação.

Lisboa, 13.12.12

(imagem da capa retirada de http://www.publico.pt/cultura/noticia/secretario-de-estado-da-cultura-defende-que-as-artes-e-os-movimentos-contemporaneos-sao-patrimonio-do-futuro-1577416)

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