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Activação do Património


Activação do Património procura divulgar práticas e produtos culturais que reinterpretem a tradição, dando-lhe novos horizontes, dinâmicas e... anima.

Nesta edição, abordamos o artesanato, em particular a olaria tradicional das Caldas da Rainha, que este ano perdeu uma figura incontornável da sua história: Armindo Reis, o último oleiro desta arte.

Nas últimas décadas, o artesanato nacional foi-se delimitando pelas práticas ancestrais de produção, por entre técnicas endógenas e processos tradicionais, sem conseguir reinventar-se à luz de estéticas contemporâneas – pelo menos na óptica utilitária, já que a vertente artística sofreu um processo oposto. Fomos gradualmente assistindo em Portugal ao abandono de algumas práticas artesanais. Em parte pela desertificação das aldeias e das necessidades emergentes do consumo massivo (que prefere produtos estandardizados e industrializados), mas também pela ausência de novas mãos capazes de dar continuidade e inovação ao património artesanal. Um exemplo gritante é o caso da olaria tradicional das Caldas da Rainha [1]: entre 1920 a 1980 laboravam 24 olarias. Hoje não existe nenhuma desses tempos, tendo a última encerrado na década de 80, pertença da família Reis. Alguns oleiros continuam a vender os seus trabalhos na Praça da Fruta da cidade, onde se podem encontrar exemplares das técnicas tradicionais da olaria caldense. Mas a cada ano que passa vão desaparecendo as mãos que a sabem fazer e as memórias que encerram as suas particularidades. Armindo Reis, o último oleiro da cerâmica tradicional das Caldas da Rainha, faleceu no início deste ano - faria 86 anos em Julho. Nascido em 1926, numa família de cinco gerações de oleiros, aprendeu a sua arte na olaria Germano Luís da Silva onde trabalhou dos 10 aos 30 anos e com o seu pai, João dos Reis, que ajudava nos tempos livres. Dedicou mais de sete décadas à olaria tendo-se especializado na produção de miniaturas, arte que aperfeiçoou com Francisco Leopoldino Matias e que o levou a ser convidado para colaborar com a extinta Secla (empresa caldense detida pelos proprietários da Cerâmica Valadares). Pessoa simples e humilde, dizia não ter muito para ensinar aos mais instruídos. Mas o mestre Armindo, sendo o último representante do núcleo produtivo da olaria tradicional caldense, possuía um capital intelectual irrepetível: as formas tradicionais da cerâmica caldense, suas decorações, cores e processos de manufactura. Foi mestre no Centro de Formação para a Indústria Cerâmica (Cencal) durante 8 anos, onde terá transmitido parte do seu saber-fazer. Em 2010, foi convidado por mim para dar uma curta formação em roda de oleiro aos alunos finalistas do curso de Design de Equipamento da Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha (ESAD.CR). O objectivo era criar valor a partir do saber-fazer tradicional e do talento latente dos jovens designers. Se inicialmente o artesão estava reticente por “não ter nada para ensinar a estes jovens”, no final admitiu ter sido uma experiência única: “eles querem mesmo saber como faço e têm jeito para isto”. Esta acção individual foi uma simples gota no oceano em potencial que é o nosso património artesanal. Portugal tem um vasto património imaterial por preservar, divulgar e reinventar. Se aliarmos o saber-fazer dos mais velhos ao talento e inovação dos mais novos, conseguiremos certamente resultados únicos: tradição com inovação. O mestre Armindo deixou-nos subtilmente: os jornais nacionais não lhe deram destaque. A 11 de Janeiro de 2012 perdemos uma parte relevante do nosso património popular e poucos souberam. Armindo Reis ensinou vários ceramistas e fez vários discípulos, nomeadamente os dois sobrinhos que a seu modo dão continuidade à sua arte: Mário Reis (ceramista) e Vítor Reis (escultor). Mas nem todos os artesãos conseguem fazê-lo: todos os dias perdemos parte do nosso património imaterial e pouco fazemos para o perpetuar. Urge documentar o conhecimento colectivo envelhecido e atrair o sangue novo para que o saber-fazer seja transmitido e preservado. É hora de conhecer e valorizar o que temos de único antes que se percam todos os últimos artesãos da sua especialidade. Obrigada, Armindo Reis: pela generosidade e disponibilidade. Foste "a última figura da dinastia dos oleiros caldenses, com grande expressão na maneira de trabalhar o barro, cujo saber deveria ter sido aproveitado, de forma a poder passar a outras gerações o seu extraordinário conhecimento de olaria.”[2]

[1] Fonte: Teresa Perdigão e Nuno Calvet no terceiro volume da colecção Tesouros do Artesanato – Olaria e Cerâmica, Editorial Verbo, pp 44-51 [2] Herculano Elias, Ceramista e miniaturista, in Gazeta das Caldas, 20/01/2012

FOTOS - Autor: Pedro Homem | Legenda: prototipagem das peças desenhadas pelos alunos da ESAD.CR na sequência da formação com o mestre Armindo Reis. | Local: Olaria Norberto Batalha, Mafra. 2011

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