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Cinema: um património desejável, mas não de todos



Rita Gonzalez *


“O cinema é aquilo que se decide que ele seja numa sociedade, num determinado período histórico, num certo estágio de seu desenvolvimento, numa determinada conjuntura político-cultural ou num determinado grupo social” - António Costa em “Compreender o cinema”. As produções cinematográficas são hoje consideradas património cultural. A história do cinema e a preservação do património cinematográfico relevante e culturalmente valioso permitem manter a identidade nacional e contribuir para a construção da memória coletiva do país.


Há poucos meses, a Cinemateca Portuguesa anunciou a digitalização de mil filmes portugueses até 2025, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), uma oportunidade para divulgar o cinema português. “Há um potencial enorme deste património para ser conhecido e desejado pela população”, disse o director da Cinemateca, José Manuel Costa.


Uma questão que se coloca aqui é de que forma foram (ou não) pensadas as necessidades das pessoas com deficiência? De que forma se garante o seu acesso a este património, que, afinal, também é deles? Pensando no público, o cinema é ainda inacessível a pessoas com deficiência visual, a pessoas S/surdas ou pessoas neurodiversas. Mas é também inacessível para quem dele quer fazer a sua arte – realizadores, atores, técnicos -, uma exclusão que começa nas escolas. Apesar das múltiplas barreiras, o desejo existe.


Inaugura hoje uma mostra que quer acolher todas as pessoas que gostam de cinema. A AMPLA realiza-se nos dias 25, 26 e 27 de Março e 1, 2 e 3 de Abril na Culturgest em Lisboa. É uma mostra de cinema que reúne filmes premiados nos principais festivais da sétima arte realizados em Portugal, de diferentes géneros e nacionalidades.


A novidade que a AMPLA nos traz é que todas as sessões terão recursos de acessibilidade, como legendas, interpretação em língua gestual portuguesa e audiodescrição. Haverá ainda duas sessões descontraídas. Num momento em que ainda existe um longo caminho para o cinema se tornar totalmente inclusivo, a Ampla quer ser um espaço que disponibiliza recursos de acessibilidade e que não deixa ninguém de fora. Acreditamos que o acesso à programação cultural é um direito, e, nesse sentido, queremos assegurar uma oferta de qualidade, diversificada e atual, mas também que permita a todos usufruírem do melhor de cada filme, nas melhores condições.


A mostra é o resultado de diversas sinergias. O evento em si é organizado pela Horta Seca - Associação Cultural em parceria com a Duplacena e a Javalimágico. A Culturgest juntou-se como co-produtora e a Acesso Cultura colaborou como consultoria na área das acessibilidades. Várias associações que representam pessoas com deficiência e S/surdas juntaram-se como parceiras: Fundação LIGA; Associação Cultural de Surdos da Amadora; Bengala Mágica - Associação de pais, amigos e familiares de crianças, jovens e adultos cegos e com baixa visão; APPDA LISBOA- Associação Portuguesa para Perturbações do Desenvolvimento e Autismo.


O que é que a AMPLA traz de diferente? A prova de que há muitas pessoas que gostam de cinema e que o cinema pode, e deve, ser mais inclusivo. A AMPLA não é uma mostra “especial” para pessoas com deficiência. É uma mostra aberta a quem gosta de cinema, é um espaço de partilha e também um espaço de escolha, onde qualquer pessoa tem a liberdade de selecionar dentro da programação o que quer ver e não ficar sujeita a decisões previamente tomadas por ela. Esta é a sua primeira edição e esperamos que possam ser um ponto decisivo de partida para pensar este património desejado por muitos, mas que ainda não é de todos.


 

* Rita Gonzalez é fundadora e produtora executiva da mostra AMPLA.


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