Na década de 1960 nascia na cidade de Lisboa um espaço que viria a ser fundamental para a comunidade artística nacional, um lugar icónico, central para a criação, divulgação, exposição e fruição da arte e cultura nas suas várias vertentes - a Fundação Calouste Gulbenkian, cujos pilares orientadores assentam também na salvaguarda das disciplinas da Educação, Ciência e Beneficiência e dos valores que lhe estão associados.
Criada por disposição testamentária de Calouste Sarkis Gulbenkian, um homem de negócios, coleccionador de arte e filantropo de origem arménia, nascido no Império Otomano, que chegara a Lisboa em 1942 e que por cá iria permanecer até falecer em 1955. Foi nesta cidade que o acolheu num momento crítico da história da Europa “protegendo-o assim dos perigos e incómodos da guerra”, que Gulbenkian estabeleceu a construção da sede de uma fundação internacional com o seu nome, em benefício de toda a humanidade, agradecendo assim a hospitalidade e acolhimento do nosso país para consigo, e perpetuando as preocupações filantópicas que o haviam ocupado durante a sua vida.
Os Estatutos da Fundação foram aprovados pelo Estado Português a 18 de Julho de 1956 e em Abril de 1959 iniciam-se os trabalhos de concurso para a construção deste novo edífico, através do convite feito a três equipas de arquitectos que, por um período de nove meses, deveriam elaborar um projecto ambicioso e detalhado, obedecendo ao pressuposto de que o novo edifício fosse “uma perpétua homenagem à memória de Calouste Gulbenkian, em cujas linhas se adivinhassem os traços fundamentais do seu caráter – espiritualidade concentrada, força criadora e simplicidade de vida”.
O extenso e minucioso programa, elaborado por um vasto grupo de trabalho que incluía arquitectos, consultores nacionais e estrangeiros e técnicos da especialidade, levaria dois anos de estudos aturados até estar concluído, e estabelecia as directrizes fundamentais da orgânica da Instituição, as necessidades gerais de espaço e a articulação dos meios previstos para a construção da Sede, Museu, Auditórios e Biblioteca. O Museu “… que fora o centro de interesse da vida de Gulbenkian, seria o fulcro da Fundação”, destinava-se a reunir em Lisboa as obras de arte que Calouste Gulbenkian coleccionara ao longo da sua vida, sendo articulado com as instalações administrativas, com uma biblioteca vocacionada para estudos de arte e uma série de auditórios, de que se destaca um grande auditório, destinado à realização de concertos, espectáculos de ballet, ópera e música de Câmara.
O concurso, feito em exclusivo por convite a três equipas distintas, acabaria por premiar o projecto de Alberto Pessoa, Pedro Cid e Ruy Jervis d’Athouguia, apostados na afirmação de uma arquitectura referenciada à pureza dos conceitos seminais do Movimento Moderno: criaram um conjunto arquitectónico de grande unidade, horizontal, sóbrio nos materiais (constituído fundamentalmente por betão), e aberto no seu interior para uma diversidade de usos, pensado como um enorme centro cultural, onde os públicos podem fluir livremente entre auditórios e salas de exposições. O projecto deste edifício, fiel aos princípios do Movimento Moderno, procurava assim responder a um novo conceito de monumentalidade, símbolo da situação de contemporaneidade entretanto atingida na aquitectura portuguesa, numa inteligente simbiose entre a monumentalidade e a representatividade desejadas e os valores da escala humana que serviram de módulo à configuração deste espaço moderno e civilizado.
O exterior do Museu apresenta-se como um maciço paralelepípedo rectangular marcado pela utilização do betão e do granito, estando organizado em torno de dois jardins interiores e com inúmeros vãos envidraçados para o exterior, o que permite ao visitante um diálogo constante entre a Natureza e a Arte. Este edifício possui no piso inferior uma Galeria de Exposições Temporárias, uma loja, uma cafeteria e a Biblioteca de Arte da Fundação Gulbenkian e as galerias e a sua distribuição foram planificadas em torno dos objectos reunidos por Calouste Gulbenkian durante a sua vida.
A distribuição e articulação das galerias de exposição permanente estão orientadas por uma sistematização cronológica e geográfica que determinou, dentro de um percurso geral, dois circuitos independentes. O primeiro circuito é dedicado à Arte Oriental e Clássica e evolui através das galerias da Arte Egípcia, Greco-Romana, Mesopotâmia, Oriente Islâmico, Arménia e Extremo Oriente. O segundo percurso é dedicado à Arte Europeia, com núcleos dedicados à Arte do Livro, à Escultura, Pintura e Artes Decorativas esta última com especial destaque para a arte francesa do século XVIII e para a obra de René Lalique. Expõe-se neste circuito uma diversidade de peças representativa das variadas manifestações artísticas da Europa, desde o século XI até meados do século XX.
O local escolhido para a instalação da Fundação, foi, no séc. XVIII, uma das portas da cidade, denominada Quinta do Provedor dos Armazéns, então propriedade de Fernando Larre, uma quinta de recreio, como muitas que então caracterizavam os arrabaldes das principais cidades portuguesas, com edifício, jardim, pomar, horta, vinhas e campos de cereal.
A história seguinte deste espaço foi marcada por várias alterações no carácter do lugar, relacionadas com a alteração das necessidades e das funções que lhe foram estando associadas, reflexos da evolução e das transformações na vivência da própria cidade de Lisboa e da vida social que se ia desenvolvendo, como a instalação do Jardim Zoológico ou da Feira Popular. Apesar das várias alterações que foram sucedendo, o carácter paisagista do parque idealizado por Jacob Weiss — jardineiro suíço contratado por Eugénio de Almeida em 1866 — permanecia intacto quando o conselho de administração da Fundação decide adquirir parte do espaço em 1957, sendo o carácter do lugar determinante no projecto da concepção dos edifícios da Sede e Museu.
Em 1958, os arquitectos paisagistas Gonçalo Ribeiro Telles e Manuel de Azevedo Coutinho são chamados para elaborarem, respectivamente, o Projecto do Jardim das Instalações Provisórias, e um estudo de manutenção e conservação do Parque de Palhavã, que deu origem a um relatório em que se faz uma primeira avaliação do coberto arbóreo e propõe medidas de conservação e regeneração de todo o coberto vegetal do Parque.
As obras decorreram entre 1963 e 1969 e o desenho final do Jardim foi baseado numa geometria subtil, que oferece espaços e ambiências em vez de eixos, caminhos e canteiros, e a utilização da vegetação que celebra a paisagem portuguesa – de onde provém o verdadeiro Jardim Português. A reprodução de códigos da ecologia da paisagem portuguesa patente na escolha, consociação e localização das espécies vegetais, o diálogo entre a orla e a clareira, a construção do espaço com a luz mediterrânica e o copado das árvores, criam diversas situações, numa espécie de “micropaisagens” dentro do mesmo espaço.
É de realçar as soluções construtivas altamente inovadoras para a época que desta interacção resultaram e de que é testemunho o conjunto edifício/jardim: os sistemas de drenagem e aproveitamento de águas; todo o sistema construtivo do lago, atravessado subterraneamente pelo edifício, e a criação artificial do ecossistema húmido das suas margens; as técnicas de plantação e fixação de árvores sobre laje, entre outras.
Nas fotografias da época 60 encontramos um jardim bem diferente do que hoje conhecemos – grandes clareiras relvadas em diálogo com jovens maciços de vegetação e alguns conjuntos de árvores herdadas do parque do século XIX. Podem-se ainda reconhecer os imponentes eucaliptos que de alguma forma determinaram a planta original do edifício, ou as Pimenteiras-bastardas junto ao lago, o desenho do lago e das ribeiras, assim como o anfiteatro poligonal. Em tudo o resto, este lugar foi-se transformando ao longo de 50 anos, mudando a sua fisionomia, mas não o seu carácter. Depois de em 1975 ter tido um momento de grande degradação e ter sido recuperado pelo arquiteto paisagista António Viana Barreto, resistiu à morte da floresta de ulmeiros (pela grafiose), e à amputação do seu principal eixo visual para implantação do edifício do CAM. O Jardim transformou-se definitivamente, e a vegetação evoluiu para uma densa e heterogénea floresta, interrompida por pequenas clareiras e encerrando no seu interior o lago que consubstancia um arquétipo de paraíso. O Jardim que hoje encontramos, frondoso, envolvente e cheio de recantos surpreendentes, é o resultado de um diálogo muito forte entre Homem e Natureza. Neste caso, é uma situação única, na medida em que vão ser os próprios autores do projecto original a intervir, ao longo do tempo, tirando partido do crescimento da vegetação e adequando o jardim às novas solicitações dos tempos.
Este complexo modernista foi considerado em 1975 Prémio Valmor e Monumento Nacional em 2010, constituindo-se como a primeira obra contemporânea a ser considerada património em Portugal.
Fontes: