No extreme Noroeste da Serra do Bussaco, no concelho da Mealhada, encontra-se a Mata Nacional do Bussaco, cenário impar no panorama nacional, onde a beleza natural se alia ao riquíssimo espólio patrimonial e cultural para presentear os visitantes com um quadro de excepção, num local muitas vezes descrito como mágico, recheado de elementos simbólicos e sagrados.
Um passeio pelos diversos trilhos da Mata permite desde logo compreender a riqueza da biodiversidade que nos rodeia: são mais de 250 espécies de árvores e arbustos possibilitados por um particular microclima, com temperaturas amenas, elevada precipitação e frequentes nevoeiros matinais. Se nas encostas expostas a Sul sobressai uma vegetação potencial perenifólia tipicamente mediterrânica, nas encostas mais a Norte encontramos uma vegetação caducifólia, característica de clima temperado.
É este palco que circunda o místico Deserto dos Carmelitas Descalços, demarcado do restante espaço por um muro cujo trespasse nos transporta para um encontro com o sagrado e o espiritual. O Deserto integra um vasto espólio de incomensurável valor construído por esta ordem religiosa em Portugal: o Convento de Santa Cruz do Bussaco, o Sacromonte com os passos da Via Sacra, ermidas de habitação e cerca de vinte e três capelas de devoção, sete fontes, uma delas com uma monumental escadaria entre as árvores, ou ainda a cerca que rodeia o local com vários portões.
Foram os Carmelitas Descalços que ali instituiram este "Deserto", expressão que utilizavam para designar os lugares inóspitos e longe de qualquer povoação onde os monges viviam como os Padres do Deserto, os eremitas do cristianismo primitivo, que pretendia ser um retiro, facilitando a vivência espiritual em comunidade religiosa mas também em isolamento e clausura.
A Ordem dos Carmelitas Descalços é um ramo da Ordem do Carmo, que resulta de uma reforma feita ao carisma carmelita elaborada por Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz no séc. XVI. Estes devem o seu nome ao Monte Carmelo, onde se instalaram alguns cruzados e peregrinos no fim da terceira cruzada, no ano 1192, com o desejo de viver uma vida eremítica naquele local bíblico, tendo como ideal de retiro e oração o profeta Elias, que muitos séculos antes, se havia instalado também nesta cordilheira, junto ao mar Mediterrâneo.
Foi uma pequena delegação da Ordem, encabeçada por Frei António do Santíssimo Sacramento, que, depois de andar pelo país, se decidiu por estas terras do Luso recebidas do Bispo-Conde de Coimbra, D. Manuel Saldanha, para criar um dos Desertos que a Ordem então criava na Europa e no Novo Mundo (o Bussaco foi o 12º num total de 28 Desertos), e que viria a moldar a paisagem nos séculos seguintes.
Os Carmelitas Descalços já haviam andado pelo país, passando por Miranda do Corvo e Trás-os-Montes, e estando decididos a estabelecer-se em Sintra. Porém, a proximidade da corte e de outras possíveis distracções levou o responsável a rejeitar a serra nos arredores de Lisboa, onde se tinham já fixado outras congregações, e a optar pelo maior isolamento do Bussaco.
A construção de um Deserto cria uma paisagem muito específica, na qual é evidente a harmonia entre o que é dos homens e o que é da natureza, e que obedece a uma série de regras que traduzem a maneira de estar dos carmelitas. Pressupunha a existência de um espaço delimitado por um muro, com um mosteiro preparado para a vida em comunidade e ermidas onde os religiosos se pudessem isolar. Tudo isto com uma porta (ou mais), criando uma combinação da vida em comunidade e da vida em isolamento.
Durante os 200 anos em que ali se manteve, a comunidade vivia numa estrita rotina: durante a semana, a maior parte dos frades vive nas ermidas espalhadas pela mata, recebendo uma ou duas visitas do prior do convento, que com ele levava pão, fruta e legumes (a dieta rigorosa proibia o consumo de carne ou peixe), enquanto no domingo, os monges percorriam a avenida do convento para assistir à missa em comunidade.
Nas pequenas ermidas, de que hoje só restam oito, havia uma capela, uma pequena sacristia, uma cela para dormir e um espaço de cozinha, assim como uma horta pelos monges cultivada.
A subida da Serra recria a Via Sacra, que D. Manuel Saldanha quis ver construída a partir de 1644, onde mandou erguer uma recriação do palácio de Pilatos, em cuja varanda o governador romano da Judeia terá entregue o destino de Jesus à multidão.
Nas paredes exteriores do convento, nas ermidas e nas capelas podem-se encontrar embrenchados - técnica de embutidos de pedra que formam padrões vários – também eles uma forma de interligar o humano e o natural. Era a arquitectura a imitar a natureza.
Subindo a Serra do Bussaco chega-se à cruz alta, o mais privilegiado dos miradouros da mata, de onde se pode, inclusivamente, o que torna o Bussaco semelhante ao Monte Carmelo, o modelo de todos os desertos carmelitas.
Aquele espaço foi ocupado formalmente pelos frades entre 1628 e 1834 (o último morreu em 1860), tendo-se depois tornado “profano” com o decreto de extinção das ordens religiosas regulares, que vem acabar com todos os conventos, mosteiros e colégios a elas afectos, passando estes bens a ser património do Estado.
Da riqueza do Bussaco destacam-se ainda Museu Militar e o monumento comemorativo da Batalha do Bussaco, os cruzeiros, as cisternas, os miradouros (o da Cruz Alta oferece vista privilegiada sobre toda a região entre Coimbra e a Serra do Caramulo), as casas florestais ou ainda o Palace-Hotel no Bussaco, estando este Conjunto Monumental Edificado classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1996.
O belíssimo Palace Hotel do Buçaco foi instalado em 1917 num antigo pavilhão real de caça, mandado edificar em 1888 pelo Rei D. Carlos I em estilo neo-gótico, inspirado pelos ideais românticos dos seus primos alemães. É um edifício de inspiração manuelina construído a partir de um projecto da autoria do arquitecto italiano Luigi Manini, cenógrafo do Teatro Nacional de São Carlos em Lisboa e responsável, entre outros, pela Quinta da Regaleira de Sintra.
Tal como acontece com outros projecto de Manini, o Palácio Hotel do Bussaco exibe uma série de elementos arquitectónicos destinados a evocar a portugalidade e o simbolismo em torno do império, sendo visíveis perfis da Torre de Belém, motivos do Mosteiro do Jerónimos e arabescos do Convento de Cristo de Tomar que, para além da sua forte carga simbólica, têm como função contrastar a austera personalidade monacal que envolve o conjunto do complexo.
No seu interior encontra-se um verdadeiro ambiente palaciano, reforçado pela presença de um notável conjunto de obras de arte provenientes das mãos dos grandes mestres portugueses da época. Entre outros, estão presentes os azulejos pintados pelo mestre Jorge Colaço, as esculturas de António Gonçalves e de Costa Motta Sobrinho, as telas de João Vaz, os frescos de António Ramalho e as pinturas de Carlos Reis. Também o mobiliário, autêntico espólio museológico, é de uma riqueza e beleza admiráveis e inclui peças portuguesas, chinesas e indo-portuguesas que são acompanhadas na sua sumptuosidade por um importante conjunto de faustosas tapeçarias.