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Um projecto que cumpre a sua missão: anda connosco para todo o lado! (parte II)


(Continuação da entrevista)

2) São vários os temas que abordam nas vossas peças – os ofícios tradicionais, as actividades económicas, a educação ambiental, a educação para os afectos... – Como surgem esses temas?

Vários temas foram surgindo ao longo da nossa experiência nas escolas e do contacto com professores e educadores. Houve uma primeira fase do projecto em que tentámos ir ao encontro de temas contemplados nos programas curriculares do ensino oficial, criando espectáculos interactivos sustentados em três pilares: o lúdico, o poético e o pedagógico.

“Fiandeira | olhos nos dedos | lã lã lã”

Foto: Ana Ferreira

É o caso de "Contos com contas", baseado em contos tradicionais, onde as crianças são levadas a resolver problemas de matemática em contexto de jogo dramático, para que as narrativas avancem. É também o caso de "Heróis pequeninos" e de "Dividir para reinar", onde são focadas problemáticas relacionadas com a educação ambiental. "O piquenique de Dona Porca" é outro espectáculo interactivo, que foca a educação para a alimentação. Todas estas peças são apresentadas nas escolas há vários anos e continuam disponíveis. Os "Fios de tempo" já se afastam desta objectividade pedagógica, embora abordem também vários conteúdos leccionados na escola. No entanto, estes espectáculos são mais complexos, tanto na forma como nos conteúdos, e abraçam todos os públicos, tornando-se transversais nas faixas etárias (dos três aos trezentos anos). Como disse, as peças da colecção "Fios de tempo" abordam actividades económicas tradicionais. A primeira foi a pesca, depois a fiação, a extracção mineira e, a estrear no próximo ano, será uma peça sobre os moinhos chamada "Moenda".

“Fiandeira | olhos nos dedos | lã lã lã”

Foto: Ana Ferreira

3) Os textos das diferentes peças são originais. Quer falar-nos um pouco sobre eles?

Os textos são originais e de minha autoria. Alguns foram fruto de uma colaboração intensiva com outro criador, como a "Fiandeira", onde a coreógrafa Andrea Gabilondo imprimiu uma marca muito especial. Outros evoluíram ao longo das apresentações e foram-se transformando e aperfeiçoando, como "O piquenique de Dona Porca", em estreita colaboração com a Maria Mata. Os mais recentes têm surgido de pesquisa sobre os temas e em estreita colaboração com o Joaquim Pavão, como o "Minérios", que nos levou por uma longa viagem pelas minas portuguesas, de Norte a Sul e em profundidade; este projecto englobou ainda uma exposição de fotografia e vídeo do Joaquim acompanhada por textos meus, da qual existe um catálogo com o design de Suzana Nobre. Recentemente tivemos um desafio de uma escola de Peniche com quem criaremos um espectáculo baseado em trabalhos e textos dos próprios alunos, para o próximo ano.

“A história do pescador que deixou o coração atrás da porta e dos peixes que choveram”

Foto: Faunas – teatro portátil

4) Qual tem sido o feedback das crianças, jovens e professores?


Bom... Se o feedback não fosse positivo não existiríamos desde 2005. Isto é tão verdade quanto é o facto de sermos um projecto que não tem qualquer apoio do Estado. Acima de tudo, sentimos que existe uma escuta de parte a parte. Nós tentamos auscultar as aspirações e expectativas dos educadores, professores e profissionais da educação e sentimos que eles, normalmente, também estão disponíveis para receber o nosso trabalho. Os nossos espectáculos não são nunca uma tentativa de ensinar, não substituímos nunca o trabalho do professor. Os nossos espectáculos são, sim, um campo de aprendizagens. E como acreditamos que, em qualquer idade, criar ficções pode significar criar campos para experimentar a vida, levamos o trabalho de forma muito séria, brincando que é como quem diz ensaiando, experimentando, descobrindo respostas para inquietações tão profundas que, de modo mais directo ou "racional" seriam intangíveis. Por isso, mais do que a reacção gosto / não gosto, interessam-nos as questões que ficam. Às vezes somos surpreendidos por questões que enriquecem imenso a nossa reflexão sobre o trabalho e o progresso do trabalho em si, são momentos em que os professores, educadores, pais e mesmo as crianças se sentem à vontade para colocar qualquer questão. Não é fácil, porque o público também tem muito medo de se expor ou de "falhar" a interpretação. Mas essa também é a nossa missão: colocar o público como parte activa da comunicação, dotá-lo de confiança para questionar sem medo, dar espaço para que cada um se aproprie da peça e a reconstrua em si, multiplicando-a e transmutando-a, tornando-a infinita, uma laje de conhecimento no seu próprio caminho.

Depois de assistir à “A história do pescador que deixou o coração atrás das costas e dos peixes que choveram”, as memórias ainda permanecem em mim. Cumpre-se, então, o sentido do teatro portátil.

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