Uma notícia no Diário Público do passado dia 8 de Novembro anunciava a protecção pela União Europeia do Cabrito Mirandês e do Cabrito Alentejano respectivamente como Denominação de Origem (DOP) e Indicação Geográfica Protegidas (IGP). Será esta uma boa ou má noticia para a preservação do património e para o desenvolvimento rural do interior? A resposta é … depende.
Portugal é dos países da União Europeia com maior número de produtos registados (142 com estes dois últimos). Assim, do ponto de vista da preservação do património Agroalimentar, esta noticia vem confirmar o enorme sucesso das autoridades Portuguesas. Todavia, infelizmente muitos dos produtos registados quase não têm expressão comercial, ensombrando assim a vertente económico social desta política. Quando, em 1994, iniciei a minha carreira profissional no então designado Núcleo para a Promoção dos Produtos de Qualidade, do Ministério da Agricultura e Pescas colaborei no registo dos primeiros 64 produtos Portugueses pela então Comunidade Europeia. Entre esses primeiros produtos estavam os famosos queijos da Serra da Estrela ou de Azeitão, o Presunto de Barrancos ou a Pêra Rocha do Oeste. Alguns destes produtos, como a Pêra Rocha, que atingiu tal projecção internacional que hoje a posso comprar nos melhores supermercados Ingleses (embora raramente seja vendida como Indicação Geográfica), o Queijo de S. Jorge ou o Azeite de Moura são casos de inegável sucesso e muito contribuem para as economias das suas regiões de produção bem como para as exportações nacionais. Todavia, tanto quanto as (escassas) estatísticas disponíveis indicam estes e outra talvez dezena de produtos são a excepção à regra. Mais, a sua pujança não deve em rigor ser atribuída à sua protecção, pois já antes tinham estruturas de comercialização bastante organizadas. Infelizmente, na minha perspectiva, em vez de um trabalho de consolidação e organização das estruturas de produção e comercialização dos primeiros 64 produtos protegidos, a partir de 1998 decidiu-se expandir o inventário destes produtos. Assim, houve uma proliferação de DOPs e IGPs sem ter havido uma pedagogia dos consumidores e dos produtores em relação ao que elas representavam. Passados vinte anos sobre a publicação do regulamento da Comissão Europeia que permitiu a protecção dum vasto número de produtos agro-alimentares nacionais, tanto quanto eu sei, não foi realizado nenhum estudo exaustivo sobre o seu impacto efectivo em Portugal. Não sabemos qual o valor acrescentado gerado por estes produtos nas suas regiões de origem. Não sabemos quantos empregos manteve ou criou. Não sabemos que constrangimentos existem à expansão destes produtos.
Sem esse diagnóstico é difícil gerir todo este património e pô-lo a render. Tal como me pareceu que devia ter acontecido em 1998, quando saí do Ministério, acho que devíamos fazer uma moratória à expansão dos produtos registados. Devíamos inquirir quais os produtos reconhecidos que estão no mercado e porque razão. Suspeito que em muito casos nem sequer existam produtos porque nunca se trabalhou com os mais interessados na sua preservação (os seus produtores), pois em geral os processos de protecção foram iniciativas públicas e do topo para a base em vez do contrário. Se os produtores não se apropriarem e assumirem a preservação deste produtos (o que implica a sua rentabilização) tenho sérias dúvidas que esta protecção Europeia sirva para alguma coisa. É curioso como os Ingleses e Holandeses, que em 1996 se opuseram ferozmente há protecção do património agro-alimentar da Europa do Sul, estão hoje em dia a aproveitar a protecção Europeia para recuperar os seus produtos tradicionais por iniciativa de produtores empenhados em restaurar um património quase extinto. Enfim, é excelente termos um património agro-alimentar tão rico e reconhecido, mas se continuar a não ser explorado de forma mais efectiva e eficiente, em vez de um activo temo que se possa tornar em mais um passivo e a contribuir para o défice que tanto nos atormenta. Assim, e uma vez que este património alimentar preserva-se através do seu consumo no sentido mais literal, convido-os a todos a visitar o belíssimo planalto Mirandês ou o vasto Alentejo para conhecerem os animais e gentes que produzem estes produtos e assim contribuírem para o seu sucesso. (Sobre este assunto veja também aqui a notícia sobre a protecção do Cordeiro Mirandês e do Cabrito do Alentejo)
Diogo Monjardino de Souza Monteiro é licenciado em Engenharia Zootécnica pela Universidade de Évora, Mestre em Marketing Agro-Alimentar pelo Instituto Agronómico Mediterrâneo de Saragoça e Doutor em Economia dos Recursos Naturais pela Universidade de Massachusetts, Amherst. A sua carreira profissional começou no Ministério da Agricultura tendo tido uma breve passagem pelo Departamento de Marketing da Novadelta. Iniciou a sua carreira académica na Escola Superior Agrária de Santarém e desde 2006 é Professor Auxiliar (Lecturer) na Kent Business School, Universidade de Kent no Reino Unido onde ensina Marketing e faz investigação na área da economia e marketing agro-alimentares.
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