Joana Proserpio*
No início do meu percurso em museografia, foi-me transmitida uma teoria de níveis de interpretação de conteúdos, que ainda hoje me faz sentido e orienta o meu trabalho. Assim, na conceção de um museu ou exposição, relativamente à apreensão de conteúdos por parte dos visitantes, tenho sempre em mente que o projeto deverá adequar-se a 3 tipos diferentes de públicos: o “visitante acelerado” que vê peças e imagens, lendo de passagem apenas os títulos de enquadramento dos núcleos; o visitante que pretende uma apreensão mais global dos conteúdos, explorando também alguns textos e as várias dinâmicas propostas; e por fim o “visitante minucioso” que quer apreender todos os detalhes, lendo tudo de uma ponta à outra, inclusive as pequenas legendas. Acredito que não há formas corretas nem erradas de ver uma exposição, é algo subjetivo, que depende de cada pessoa e até do seu estado de espírito no momento. Creio que o mais importante na conceção do espaço museográfico é encontramos uma forma de atrair todos os visitantes. Nesse sentido, é essencial criar uma organização espacial intuitiva ou, quando isso não é possível, orientar com indicações explícitas e criar uma forte hierarquização gráfica dos conteúdo, facilitando a experiência do visitante de forma a que consiga identificar o que quer explorar, alcançando sem dificuldade o grau de aprofundamento que pretende. Quando se fala em inclusividade, naturalmente o foco é salvaguardar o acesso a qualquer visitante, independentemente de ter alguma restrição, mas é também importante contemplar-se a inclusividade de interpretação – incluindo os visitantes das diferentes faixas etárias e dando liberdade ao visitante para assimilar o que mais lhe interessar.
Na construção de um discurso expositivo, deparamo-nos geralmente com a vontade de construção de uma narrativa muito rica, que por vezes não é compatível com o espaço disponível. Nesses momentos, é essencial uma forte articulação entre o designer e o museólogo para se chegar ao equilíbrio perfeito de quantidade de conteúdos a integrar a exposição. É compreensível que havendo uma “história para contar”, não seja fácil aligeirar os conteúdos sem perder algo que poderia ser interessante transmitir. Todavia, é crucial alcançar-se uma harmonia no espaço, que torne esta fruição agradável e evitem o assoberbamento e confusão do visitante.
Quanto a este ponto da interpretação dos espaços museológicos, a tecnologia funciona como um instrumento que disponibiliza uma interpretação complementar, que será explorada segundo a vontade do visitante. Imagino uma aplicação interativa, já tão recorrente nas exposições, como um móvel com inúmeras gavetas onde abrimos apenas as que nos interessam e exploramos até onde pretendermos. Este recurso permite a disponibilização de conteúdos para aprofundamento, sem interferir com a pretendida leveza no espaço físico. Ao criarmos esta experiência de cariz digital possibilitamos também algo essencial que é a atualização ou mesmo renovação dos conteúdos, de uma forma muito simples. Possibilita-se assim, que o discurso vá sendo adaptado segundo as necessidades e cria-se uma exposição viva e dinâmica que pode ter algo novo a cada visita.
Na minha perceção, a tecnologia traz aos Museus uma nova dimensão. Amplia o potencial da experiência do visitante, podendo ativar o seu lado sensorial e interativo, ou complementando a narrativa com vários níveis de informação, tal como referido anteriormente. Acredito, no entanto, que não dispensa a conjugação com a museografia convencional, de modo a não se afastar em demasia do conceito presente que temos de museu. Creio que com os elementos certos nos pontos exatos consegue-se criar impacto no visitante, aguçando a sua experiência e marcando a sua visita de uma forma excecional. Hoje em dia, é-nos familiar pensar em imersividade, holografia, realidade virtual e realidade aumentada, projeções e uma parafernália de soluções técnicas que já estão disponíveis nos equipamentos museológicos. O desafio continua sempre o mesmo - surpreender o visitante, transmitindo-lhe conteúdos de uma forma cativante e enriquecedora. É possível fazê-lo com componente física e cenográfica da exposição, e nesse campo as artes plásticas podem ser uma fabulosa fonte de inspiração, quando por exemplo expomos as peças ou aplicamos os grafismos de tal forma que se assemelhem a uma instalação de arte contemporânea. E é também possível transportar o visitante para outras realidades, recorrendo a esta tecnologia que permite abrir janelas e voar para outros universos, transformando a visita na tal “experiência” que nos marca e na qual ficamos a pensar mesmo após a visita. Atualmente, o Museu já não é encarado apenas como um repositório de conhecimento. Transcende o nível didático e abraça a componente recreativa, da experimentação e interatividade, da fruição e da partilha.
Vejo a tecnologia como uma forma de aproximar o visitante aos conteúdos, envolvê-lo profundamente em realidades às quais só assim poderá ter acesso. É possível despoletar uma visualização mais concreta, que facilite a compreensão e imersão no discurso expositivo. Uma projeção, um holograma ou a recriação de uma peça com 3D printing, possibilitam simular e recriar historicamente um contexto. É possível mostramos uma peça que por algum motivo não integra a coleção do museu – seja por estar noutro sítio, por não poder estar exposta por questões de conservação ou por já não existir de forma integral ou parcial. Ou podemos também transportar o visitante para um ambiente recriado, transportando-o numa viagem no tempo ou no espaço.
Figura 1 - CCV – Centro de Ciência de Vila Real
Uma experiência de realidade virtual, um espelho interativo ou uma experiência imersiva, permitem-nos vestir a pele de outras pessoas e fazer coisas que nunca pensámos poder fazer. Ao ouvir em primeira mão um testemunho, potencia-se a criação de empatia com uma realidade diferente e a possibilidade de “vivenciar” algo que nos está distante. Para este envolvimento do visitante também é interessante recorrermos a outras dimensões sensoriais além da visual - trabalhando o som, os cheiros e até o tato - criando dessa forma experiências de grande riqueza sensorial.
A tecnologia permite dar vida aos conteúdos, criando uma visita dinâmica, na qual o visitante poderá participar ativamente. Atualmente, já está implementado o conceito de “Phygital”, que tal como o nome indica é a junção de um layer digital aos elementos físicos. Recorrendo a vídeos, animações, modelações 3D é possível dinamizar um espaço e criar experiências sobre conteúdos físicos que poderão ser ativados pelos visitantes.
Figura 2 - Museu da Água Epal – Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos, Lisboa
Estes conteúdos multimédia podem ser complementados com a componente de sonoplastia - som ambiente, música ou locução. Uma maquete, cenografia ou uma parede gráfica, podem revelar e aliar-se à componente multimédia e interativa. Estes elementos têm valor por si só, mas sendo-lhes acrescentado uma camada tecnológica ganham níveis de interpretação suplementares e têm uma componente lúdica e de impacto associada. Se adicionarmos um ecrã transparente a uma vitrine para peças, podemos visioná-las como que através de um vidro e simultaneamente podemos disponibilizar a funcionalidade de consulta de informação adicional ou mesmo transformar integralmente toda a superfície num ecrã de partilha de conteúdos multimédia.
Figura 3 - Museu Interactivo do Megalitismo de Mora
Outra componente interessante é a de “Gamificação” dos conteúdos, criando-se momentos em que através de dinâmicas interativas o visitante tem a possibilidade de consolidar conhecimentos. Esta componente pode ser apresentada numa simples dinâmica de perguntas e respostas, ou pode chegar a dinâmicas mais complexas que tanto podem ser do plano digital como podem ser físicas com elementos interativos “hands-on” que nos convidam a explorar o conhecimento de uma forma ativa.
Figura 4 - Museu do Dinheiro, Lisboa
Outra potencialidade que poderá ser cada vez mais explorada é a transformação do museu num “smart building” através da componente de domótica experiencial. É possível concentrar num dispositivo móvel o controlo de várias funcionalidades do edifício, que vão desde o controlo lumínico, à ativação de experiências multimédia. Com este recurso, é possível numa visita guiada fazer-se a gestão do que é apresentado e criar diferentes cenários para a descoberta do espaço. Um excelente exemplo de um projeto com estas características é o NARC - Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros, um projeto museográfico do Atelier Bruckner e com implementação da Edigma.
Figura 5 - NARC – Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros, Lisboa
Neste espaço, um sítio arqueológico, os visitantes percorrem passadiços metálicos acompanhados por um guia que vai gradualmente revelando as ruínas através de luzes cenográficas. Além disso, o guia vai complementando o seu discurso com conteúdos animados projetados no espaço ou apresentados em videowalls cuidadosamente integrados na museografia. Este espaço recebeu uma remodelação e atualização profunda em 2022 e apresenta-se agora ao público como um espaço extraordinariamente imersivo e com uma museografia que salienta e destaca a grande peça em exposição – o espaço arqueológico.
A acessibilidade aos vários públicos também pressupõe a disponibilização dos conteúdos em diversas línguas. Sendo normalmente standard utilizar o bilingue – Português e Inglês – para os conteúdos principais que constam na museografia física, será pertinente ter ferramentas alternativas que permitam disponibilizar outras línguas. O recurso a audioguias é uma prática corrente, mas também é já muito usual convidar o visitante a complementar sua experiência através de uma web app ou uma app mobile. Através destas aplicações é possível não só disponibilizar os conteúdos noutras línguas, como também partilhar informações complementares, atividades e até motivar a dinâmicas que transcendam a visita ao espaço. Desta forma, potencia-se a criação de uma relação com o visitante, como por exemplo a divulgação de uma agenda de eventos que o faça voltar ao museu.
Desta forma, o ciclo de visita já não é estanque. Podemos interagir com o museu antes e até depois da visita. Ao consultar uma aplicação ou o próprio site, o visitante pode começar a sua visita sem sair de casa, por exemplo através das vistas 360º ou procurando informação sobre os conteúdos ou coleção do museu. Estas ferramentas permitem ter uma noção geral do Museu, mas claro que não dispensam as visitas presenciais. São diferentes dimensões, que permitem alcançar algo que de outra forma não teríamos acesso devido à distância, por exemplo. Por outro lado, permitem também preparar uma futura visita, investigando o que mais nos interessará explorar. Nesse sentido, Google Arts & Culture é uma plataforma riquíssima que espelha uma estreita colaboração com os Museus desde 2011. Esta site possibilita visitas virtuais através do seu sistema de “Street View” e também a consulta de acervos virtuais.
De volta ao museu físico, para concluir a nossa visita, é importante referir que sempre foi muito comum ter um espaço para o visitante deixar a sua marca. Os outrora livros onde se escrevia à mão um comentário, transformaram-se em grandes plataformas de experiências onde é possível interagir de formas diversas, deixando não só os comentários, como também fotografias, desenhos ou outras partilhas. Pretende-se promover um espaço onde o visitante interaja, e sobretudo é a criação de uma forma onde este passe a fazer parte do museu e da sua história. Muitas vezes estas ferramentas permitem também as partilhas nas redes sociais, tornando o visitante ator na promoção do próprio espaço.
E para fechar o ciclo, resta-me dizer que, para mim, a principal missão do Museu é a de passar uma mensagem ao visitante, com uma comunicação clara e eficiente. Essencialmente, o que se pretende é que o visitante saia do espaço enriquecido, que tenha tido uma experiência marcante e que pretenda voltar. Um Museu deve ser um espaço vivo e para isso precisa de pessoas que o visitem!
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*Joana Proserpio
Diretora Criativa da EDIGMA
Joana Proserpio iniciou o seu percurso nas artes frequentando a Escola Artística António Arroio e em 2006 licenciou-se em Design de Equipamento, na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.
Tornou-se numa designer multidisciplinar através da sua experiência de mais de 10 anos na P06 Studio, um atelier português com um trabalho de design diversificado, mas com grande foco em Environmental Graphic Design. Neste período desenvolveu projectos globais para espaços públicos - museus, lojas, hotéis, restaurantes, etc. - criando espaços que comunicam com o seu utilizador, com ou sem interatividade. Especializou-se na concepção de projectos globais de museografia em todas as suas vertentes, acompanhando o desenvolvimento dos projetos do início ao fim.
Em 2018, deu um novo rumo ao seu percurso e nos 2 anos seguintes teve experiências diversificadas, trabalhando como freelancer, integrando um atelier de arquitectura e mais tarde uma agência de relações públicas e comunicação, mas mantendo sempre uma forte ligação ao design expositivo.
No início de 2020, integrou a equipa da EDIGMA, como Gestora de Projecto, liderando a implementação de projectos de museográficos, com instalação cénica e multimédia - destacam-se o NARC (Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros) e o Centro Interpretativo do Promontório de Sagres. Em 2022, assumiu a Direcção Criativa da empresa, coordenando uma equipa multidisciplinar dedicada à conceção de projectos globais, designadamente na área da Museografia, criação de Experiências Interativas e Digital Signage.
A autora utiliza o novo acordo ortográfico.
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