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Ver com outros olhos


“Drawing has creative, expressive and educational value; it remains fundamental to translating and analysing the world”. (Anita Taylor, in Why drawing needs to be a curriculum essential)


© Marta Maria Magalhães da Silva
© Marta Maria Magalhães da Silva

Há muito que a importância do ensino do desenho nos currículos escolares e nas aprendizagens faz parte dos discursos da educação, quer formal, quer não formal.


A disciplina de desenho viu-se muitas vezes relegada para um lugar de pouco destaque, ou mesmo de ausência nos currículos, uma disciplina menos importante, discriminada, como aliás as restantes disciplinas artísticas. Muitas vezes encarada como uma disciplina ao serviço das outras.


Mas o desenho faz parte da condição e características humanas e é essencial na nossa compreensão do mundo. É uma ferramenta de análise, interpretação e criação.


Desenhamos antes de escrevermos, às vezes antes de falarmos. Contamos histórias do nosso mundo, da nossa casa, da nossa família, expressamos as nossas experiências e sentimentos, através do desenho, muito antes de conseguirmos verbalizar todas estas ideias e construções que vamos fazendo ao crescer, ao apropriarmo-nos do mundo.


Comunicamos ideias, sonhos e medos, numa linguagem que é universal e presente em todos nós.

E desenhamos desde o início da humanidade, desde as grutas na pré-história, onde representávamos o que víamos e vivíamos, e o que imaginávamos ou queríamos que acontecesse, as nossas projeções e construções mentais.


O desenho afirma-se como expressão da civilização, em todos os seus períodos temporais, linguagem que constrói a par e passo com o homem a cultura contemporânea, registando-a sob a forma de história visual.


Neste momento de mudança, em que as artes voltam a ter um protagonismo e autonomia nos currículos escolares e se vêm os artistas como parceiros na educação, o desenho, e o seu ensino, volta a ser tema de debate.


Neste artigo pretende-se dar uma visão do desenho como forma de apropriação do real, do mundo físico, que podemos registar em formas desenhadas. O desenho é sempre uma interpretação do real, e do mundo, e ao alcance de cada um de nós.


Apresentamos um projeto de desenho, parceria entre escola e museu, que se focou no desenho enquanto transposição de uma ideia de um objeto – neste caso a obra de arte, obtido através da memória corporal, produzida através do tato e da audiodescrição, e não através da visão, que é o sentido mais associado ao desenho.


O desafio era trabalhar o desenho nas suas dimensões 2D/3D, abordando questões de forma, volume e textura, no âmbito da disciplina de desenho e com alunos do 10º e 11º anos.

Como do tridimensional se passa ao bidimensional?


Começamos por proporcionar aos 18 alunos envolvidos no projeto uma experiência de vivência museológica diferente da habitual, e a possibilidade de uma apropriação do tridimensional para depois poderem realizar a respetiva representação bidimensional.


Como fazer isto?


Enquanto museu achámos que poderíamos proporcionar um contato privilegiado com algumas obras de arte que selecionámos. Esculturas, que têm autorização para serem tocadas com luvas e maquetes com reproduções de algumas esculturas, nas quais não se pode tocar na obra em si.


Acionámos uma parceria fundamental com a nossa área educativa das necessidades educativas especiais, que detém as maquetes das obras e o conhecimento de como tatear uma obra e conduzir um descrição através da técnica da audiodescrição. Estas maquetes e técnicas são utilizadas para as visitas com públicos de baixa ou nenhuma visão.


Com esta colaboração conseguimos que os jovens pudessem explorar as obras e construíssem uma imagem, uma construção mental destas.


Como desenhar o que não se vê?


Entraram vendados no espaço da coleção e divididos em três grupos, foram orientados até às obras e puderam tateá-las e ouvir uma descrição que ia correspondendo ao que iam sentindo.

Exploraram cada centímetro apropriando-se das formas, volumes e texturas e também das cores e materiais que lhes iam sendo descritos. Cada grupo contatou com apenas uma obra, num total de três obras, e cada elemento levou em si as informações dessa obra, gravadas através a experiência imersiva sensorial.


Saíram vendados do museu e ainda sem verem, com os olhos, as obras em si.


Foram então convidados a desenhar essas construções mentais das obras de arte. Na sala entrou o silêncio, a concentração e a expressão.


O resultado foi surpreendente e os desenhos mesmo muito próximos das obras originais, dentro dos limites de tempo de exploração do exercício. Tiveram uma hora de exploração no museu com sensivelmente dez minutos de contato individual com as obras, e cerca de quarenta minutos a desenhar.


Fica então esta noção de que através dos nossos outros sentidos, do tato e da memória corporal, auxiliada pela audição, conseguimos de fato apropriarmos de um objeto tridimensional, neste caso esculturas, de uma forma muito próxima da realidade. Diríamos que esta forma de conhecer o objeto tridimensional é mais forte do que a visual, a forma que usamos mais habitualmente.


Os desenhos que realizaram são explícitos nisso.


Foram depois novamente ao museu ver, com os olhos, as obras de arte e comparar desenhos com a realidade.


Este projeto segue agora com a escola, que ira desenvolver uma sequência de exercícios e propostas de exploração do desenho na sua relação 3D/2D, de que esta experiência foi o mote.

Nas palavras dos alunos foi uma experiência marcante, que criou memórias e novas apropriações da linguagem do desenho. O entusiamo e compromisso com os exercícios foram notórios ao longo de toda a atividade.


Nas palavras das professoras, “a atividade no museu foi muito rica e estimulante tanto para os alunos como para mim”…”foi marcante”.


A união da escola com o museu em projetos de educação artística traz sempre como característica esta força e impacto das aprendizagens que ficam impregnadas nas memórias de todos os envolvidos.


Que venham mais projetos e mais desenhos e que o desenho se afirme como linguagem a aprender e usar.


© Andreia Dias
© Andreia Dias
 

A autora utiliza o Acordo Ortográfico.


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