Nos passados dias 11 e 12 de novembro de 2024, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, promovido pelo Pólo História, Territórios, Comunidades do Centro de Ecologia Funcional – Ciência para as Pessoas e o Planeta, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, decorreu o 1.º Congresso de Arqueologia Contemporânea em Portugal. 34 apresentações, 1 mesa-redonda, incontáveis debates, 60 oradores oriundos de diversas nações ocidentais, maioritariamente portugueses, como não poderia deixar de ser num encontro deste âmbito, anunciam uma pujança insuspeita numa área de particularização cronológica impensável há duas décadas na lusa arqueologia.
Houve apresentações interessantes, outras nem tanto; num conjunto extremamente heterogéneo, mercê do inevitável fervilhar da novidade das coisas que nascem, onde ainda não é possível a mais fina triagem, o que resulta em algo normal. O balanço mais honesto, será o de se assumir que se semeou, esperando que destes grãos plantados, alguns nasçam viçosos e continuem a medrar. A comissão organizadora está, portanto, de parabéns. Tânia Manuel Casimiro, Joel Santos, Afonso Leão, Susana Pacheco e João Luís Sequeira merecem ser nominalmente referidos, pela atrevida ousadia, o inadvertido descaramento, a inopinada e presumida audácia, com que afoitamente colocaram a arqueologia portuguesa no século XXI, somente com um quartel de atraso (e referimo-nos mesmo à quarta parte de um século, não a militares, tão pouco ao badalado putativo futuro PR, o Almirante Gouveia e Melo).
Para trás das costas ficou o conceito em voga, na arqueologia anglo-saxónica e germânica, de arqueologia industrial, desenvolvida nas décadas de 50 e 60 do século XX, que misturava, insatisfatoriamente, cronologia e tecnologia, não deixando ninguém verdadeiramente saciado. Utilizava-se o termo porque se respeitava o saber (e o carisma) do meu amigo Jorge Custódio, e porque faltava tão somente um melhor conceito, o que foi alcançado, com êxito, através da realização participada neste encontro.
Assim, a APAI – Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial, fundada em 1988 – sucessora da AAIRL, fundada em 1980 – encontra-se liberta dos estritos grilhões cronológicos – onde era “Olívia patroa” e, simultaneamente, “Olívia empregada”, podendo, finalmente, poder prosseguir ligeira com a sua verdadeira missão de investigar, salvaguardar e valorizar o património industrial português.
É evidente que a ciência social em que a arqueologia se constituiu, tem-se afastado progressivamente do princípio filosófico que lhe deu o nome, o pré-socrático conceito de arché, ou seja, o princípio da formação do universo (em versão resumida e simplificada), ou seja, o conhecimento/ciência (logos) da antiguidade/início e demais coisas antigas (coloquialismo de arché). Não foi assim há tanto tempo que a arqueologia portuguesa se dedicava em exclusivo ao estudo do intervalo de tempo que mediava da Pré-história ao final da romanização, deixando os mais recentes períodos para os historiadores. Foram poucos os arqueólogos que se dedicavam também à Idade Média, raramente com caráter sistemático. O estudo da minha querida Rosa Varela Gomes, “A Arqueologia da Idade Moderna em Portugal – contributos e problemáticas”, publicado no conceituado periódico O Arqueólogo Português, do Museu Nacional de Arqueologia, é muitíssimo revelador (Série V, 2, 2012, pp. 13-75).
É sempre pertinente recordar que a primeira intervenção arqueológica em Portugal que ultrapassou os limites cronológicos da Idade Média, com esse propósito claramente assumido, foi a realizada pela gigante Irisalva Moita, promovida pela Câmara Municipal de Lisboa, e ocorreu entre 1960 e 1961, no antigo Hospital de Todos-os-Santos, no âmbito da minimização de impactos sobre o património cultural, provocados pelas obras do metropolitano. Aliás, nessa intervenção, Irisalva Moita anunciava duas novas arqueologias, a urbana e a moderna. E é sempre bom evocá-la, mormente neste que é o ano comemorativo do seu centenário.
A ideia que vingou primeiro foi a da arqueologia urbana, de forma muitíssimo clara, após 25 de Abril. O I Encontro Nacional de Arqueologia Urbana foi organizado pelo Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal, em Setúbal, no ano de 1985. E não foi por acaso que foi na Cidade Rebelde que a modernidade se consolidou. Seguiu-se Braga, em 1994, que a consagrou como caminho nacional. A arqueologia pós-medieval (segundo o dizer anglo-saxónico), ou moderna (na mais nossa tradição francesa), somente se afirmou no dealbar do século XXI. Até lá era vulgar que as camadas estratigráficas, que continham estes períodos, fossem simplesmente removidas para aterros e lixeiras próximas. Somente por volta de 2010 surgiram os quatro doutoramentos que a consagraram: o do Gustavo Portocarrero, o meu, o da Tânia Manuel Casimiro e do Luís Sébastian, todos seguidinhos como que num só fôlego. A faiança portuguesa a azul e branco, por exemplo, até então era assunto exclusivamente tratado por historiadores de arte e negociantes de antiguidades. O urbanismo e as estruturas arquitetónicas modernas eram da coutada de arquitetos.
Não longe desta narrativa evolutiva temos a arqueologia subaquática, neste que se afirma como o “país dos navegadores”. Experimentada inicialmente nos anos 60 do século XX, somente na década de 90 se afirmou, graças à singular personalidade de Francisco Alves. Muito se lhe deve. E é esta mesma Via Dolorosae, ou caminho pedregoso, que terá agora de ser percorrido pela ora anunciada Arqueologia Contemporânea em Portugal. Estamos ainda muitíssimo longe da incorporação institucional desta Arqueologia Contemporânea por parte dos decisores políticos. Há ainda, e primeiramente, que convencer os especialistas a integrarem e a sistematizarem este período mais recente nos seus trabalhos; aliás, há que começar a convencê-los a não mandarem esses testemunhos da contemporaneidade para o olvido, ou mais prosaicamente, para o caixote do lixo. Existem diversos caminhos possíveis para essa afirmação, haja quem se ouse comprometer com a justa peleja.
O atual contexto não é favorável. O STARQ alertou os arqueólogos para este que é um: “momento de grande fragilidade e desorganização do setor público da arqueologia e do património cultural. Esta situação é fruto de anos seguidos de desinvestimento e do processo de descentralização (…). Problemas como a falta de profissionais no setor público e a deterioração de meios agravaram-se com a dispersão da tutela da arqueologia por diversos organismos (…) [e] tem levado a um enfraquecimento do Estado na sua missão de proteção, salvaguarda e valorização do património arqueológico, existindo áreas do país onde deixou de existir qualquer fiscalização de intervenções arqueológicas, inclusive no âmbito de obras.” (ofício STARQ n.º 32/2024, de 19/11).
Os problemas, todavia, são mais abrangentes e é custoso assegurar algum tipo de resguardo aos bens arqueológicos, que permitam o seu efetivo estudo, promover a sua eficaz divulgação e colocar em valor, para fruição pública, esses mesmos bens e associadas narrativas. Regressámos ao caso a caso, onde umas coisas se destacam e outras se sacrificam, dependendo o desfecho de cada singular situação mais do encanto do arqueólogo, do que do valor do bem arqueológico em si mesmo. Se calhar, somente durante uma breve ilusão de tempo, resultante da fugaz institucionalização da arqueologia no organigrama do Estado, se pensou que poderia ter sido diferente.
A 21 de janeiro de 2021 era noticiado que o Tribunal decidira absolver os dois responsáveis pela vandalização da gravura, conhecida como “Homem de Piscos”, do Parque Arqueológico do Vale do Côa. A 17 de novembro de 2024, o Movimento Cívico @ApoiarSedeLisboa2022, dava conhecimento dos sucessivos arquivamentos das numerosas queixas contra a Direção-Geral do Património Cultural (atual PC, IP) pela destruição consumada do património cultural arqueológico encontrado nas escavações do Claustro da Sé de Lisboa. Resta somente uma interposição de ação ao Tribunal Administrativo, mas de mitigada esperança de alcançar qualquer sucesso, face aos demais encerramentos por: “Não se logrando colher qualquer indício de ilegalidade material grave”, citando o despacho do Ministério Público.
Se servir de consolo, nunca houve um contexto verdadeiramente benigno para o crescimento da disciplina entre nós (exceção feita talvez ao após Foz Côa, esse florescente 25 de Abril da arqueologia portuguesa). No entanto, tal nunca foi razão para que esta não crescesse e se desenvolvesse num ambiente mental e cultural tão hostil quanto o é Portugal. E há sempre alguém que não gosta de mastigar vulgaridade. É que, em boa verdade, não somos inutilidades num mundo feito, mas os obreiros de um fazer.
_______________________________________________________________________________ O autor utiliza o novo acordo ortográfico.
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