Desde há algum tempo tenho vindo a ser convidado para intervir em eventos instigados pela paisagem cultural ou pelo património, mas em que a palavra “sustentabilidade” é a constante dominadora. Por vezes questiono-me se assumimos esta palavra como moda ou a reconhecemos como sustento, quer seja aplicado ao território, a uma empresa ou a uma área específica como, por exemplo, o turismo cultural.
Aqui, uso a palavra “moda” com o significado de gosto, maneira essencialmente mutável e passageira de se comportar.
Uso a palavra “sustento” com o significado de alimento de espírito, e também como ato ou efeito de sustentar, servir como proteção permanente, manter, conservar, também pelo reuso ou reutilização, quer seja na economia, no turismo, no pensamento, ou no planeamento.
Reconhecemos que a moda das palavras é uma constante ao longo do tempo e, por vezes, ilude a originalidade das nossas propostas e pode não salvaguardar as nossas atitudes. Recordo que há cerca de 50 anos esteve na moda a palavra Revolução; há 40 anos esteve na moda a palavra Democratização; há 30 anos esteve na moda a palavra Globalização; há 20 anos foi a palavra Unificação; há 10 anos foi a palavra Paralisação; há pouco tempo foi a Vacinação e, desde há uns tempos, é a palavra Sustentabilidade.
Também reconhecemos que se vive sob a ditadura do tempo cronológico, entendido como aquele tempo utilitário e voraz, que não dorme, que ninguém consegue parar . Somos literalmente engolidos pelo tempo.
Lembro-me que há décadas disseram-me que uma empresa que fabricava e comercializava pasta dentífrica estava com dificuldades e, para ser sustentável, precisava de aumentar as vendas. Alguém da empresa terá lembrado a dificuldade em aumentar o número de clientes, mas, em contrapartida, seria possível aumentar a quantidade de pasta dentífrica gasta pelos mesmos clientes. Bastaria para isso alargar o diâmetro da saída da bisnaga, na medida em que toda a gente espreme com demasiada força, fazendo sair mais quantidade do que a necessária. Não sei da veracidade deste episódio, mas disseram-me que a empresa melhorou a sua sustentabilidade de tesouraria. Obviamente, fui comparar exemplares dos anos 30 e 40 do século XX com as atuais bisnagas e, em 2022, confirma-se a diferença dos diâmetros das bisnagas.
Há décadas, recordo-me de usar na escola primária a lousa escolar em xisto com caixilho de madeira, na qual escrevia, limpava, tornava a escrever, tornava a limpar. E assim se aprendia a escrever e a fazer contas. Um professor de então explicou-me que o uso dessas lousas nas escolas era a forma de um país pobre sustentar o ensino, porque usava os seus recursos naturais, o xisto e a madeira, e com eles conseguia ensinar as crianças a escrever sem gastar dinheiro, ou gastando muito pouco, pelo reuso infindável. Curiosamente, a palavra reuso também está na moda em 2022.
Não há dúvida que para o atual uso destas palavras, tornando-as moda, muito contribuíram alguns documentos que, desde final do século XX, têm sido impulsionados para a prospetiva dos territórios, tais como a Carta Europeia de Energia, a Carta Europeia da Paisagem, a Agenda Europeia para a Cultura, a Agenda 2030 das Nações Unidas, entre outros.
Em todos estes documentos perscruta-se o reconhecimento de que a globalização, de que era obrigatório falar nos anos noventa do século passado, trouxe-nos, especialmente no campo disciplinar do património cultural, a solidificação da ideia de que é tão mais identitário quanto assumido num mundo de iguais, de onde imana a importância do reconhecimento pela UNESCO, assumido como mundial, desde que seja identitário, restrito, singular e irrepetível, num sítio, num espaço definido, num território.
Desde o final do século XX, e principalmente já neste século XXI, por vontade politica, a eficiência do homem perante a natureza parece ter passado a ser prioritária, em detrimento da ideia de despesa e, através de investigação cada vez mais interdisciplinar, a eficiência e o custo passaram a ser analisados em simultâneo. A qualidade da paisagem cultural passou a ser um indicador da forma de viver, da forma de investir e uma receita usada pelos educadores sociais para prevenir maleitas ambientais.
Sabemos que continuaram a existir atitudes menos cuidadosas com a paisagem cultural, mas queremos acreditar que, em princípio, as ações do homem negligente não foram intrinsecamente más, mas resultaram da ignorância, apesar de denotar-se que a negligência não se expressa, apenas, pelo esquecimento da manutenção e salvaguarda do património e da paisagem, mas também pela falta de devoção, e as coisas em que deixamos de pensar perdem pouco a pouco a sua substância.
Entretanto, a agenda europeia para a cultura, preparada entre 2015-2018, proporcionou a estabilização do conceito de turismo cultural sustentável, induzindo, senão obrigando, a conciliação de políticas e de empenhos entre turismo, cultura e património, cujas áreas científicas várias vezes se consideravam muito distantes, por vezes até desajustadas nos objetivos finais.
Em contrapartida, a carta sobre a paisagem cultural publicada no início do século XXI introduziu uma enorme responsabilidade no comportamento do homem, ao reconhecer que a paisagem cultural identitária de cada sítio, de cada território, é fruto do “casamento do trabalho do homem com a natureza”, em busca permanente da sua sustentabilidade.
Mas a paisagem cultural foi sustento de muitas famílias, sustento de gerações ao longo dos séculos, nas mais distintas zonas do mundo.
Há sítios onde se procura reconhecer o território para, depois, com esses contributos, promover a gestão prospetiva da paisagem cultural. Aconteceu recentemente em Valongo, perto do Porto.
Saliento o resultado de investigação, que estamos prestes a publicar , comprovando que, já durante os séculos I e II d.C., o homem fez abordagens a pensar na construção inteligente do território, tornando-o sustentável, quer pela exploração mineira que o anticlinal proporcionava, quer pela simultânea abordagem à terra que os vales longos convidavam, quer pela construção conjugada de infraestruturas hidráulicas. Nos planos de abordagem que fizemos ao território constatamos a aplicação em amplos espaços agrários do actus quadratus e do juguero, dimensões de terreno que pode ser lavrado num dia por uma junta de bois, conciliando o esforço dos animais, o alinhamento visual dos limites do terreno e o número de manobras do arado. Este é um exemplo de preocupação de sustentabilidade na antiguidade.
Apetece reinterpretar Miguel Torga , e lembrar que o território é como aqueles velhos solares que, limpos das teias de aranha, fazem corar de vergonha qualquer arranha céus de cimento construído ao lado. O território só precisa de ser espanejado do pó do tempo para competir com qualquer terra e tornar-se eterno sustento.
Agora, em 2022, depois da pandemia, com a sustentabilidade na moda, somos desafiados a reduzir a globalização, trazer as coisas para mais perto, acelerar o digital e os novos modos de compra e, já agora, usar mais os nossos territórios identitários, encarados como paisagens culturais, evolutivas e vivas, e não, apenas, de forma bucólica.
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O autor utiliza o Acordo Ortográfico.
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