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Digitalização, Conservação, Comunicação: Os Próximos 10 Anos do Património Arqueológico em Portugal


Bruna Ramalho Galamba*


O património arqueológico não poderia ser um tema mais abrangente. Existem diversos tópicos para serem abordados e todos eles são importantes e merecem tempo de antena. Portanto, falar sobre os próximos dez anos do património arqueológico não é uma tarefa fácil, mas que deve ser considerada e pensada todos os dias pelas pessoas que trabalham nesta área.


Pensar no futuro é o que nos orienta, enquanto indivíduos e enquanto profissionais. Os arqueólogos estão em contacto com este património de forma constante, seja por meio de projetos de investigação, pelas intervenções de emergência, por estudos do espólio ou pelos museus e comunicação ao público. Os arqueólogos devem estar atentos aos mais recentes estudos, aos novos métodos de registo e de análise e à legislação da área.


A arqueologia é uma ciência em constante evolução e, apesar de podermos prever em certa medida a próxima década neste setor, jamais poderemos afirmar algo com certezas. Podemos, de facto, dizer em que pilares pode ou deve assentar a arqueologia no futuro.


As últimas duas décadas têm sido pautadas por leis novas ou atualizações das prévias no que concerne o património cultural e, nomeadamente o arqueológico. Mas nenhuma é isenta de críticas, por exemplo, o Regulamento dos Trabalhos Arqueológicos, nome dado ao Decreto-Lei nº164/2014, de 4 de novembro, apesar de ter apenas oito anos de existência, tem sido muito debatido entre os estudantes de arqueologia e os jovens profissionais, tanto em encontros oficiais do setor e outras iniciativas, como nas aulas e em conversas informais.


Os debates e denuncias da falta de investimento e de estratégia para o setor, seja dentro do meio como nas notícias nacionais, ganham cada vez mais terreno, apesar de se verificar cada vez mais a inação. Também existe o caso do Plano de Trabalhos Arqueológicos que, apesar de ter sido criado um grupo de trabalho em 2020, a última vez que se ouviu falar dele de forma oficial foi em 2021. As conversas sobre uma possível ordem profissional surgem esporadicamente. E assim continua. Este círculo vicioso apenas alimenta a consternação sentida pelos profissionais, que todos os dias apenas desejam fazer mais e melhor pelo património arqueológico.


Poderia ficar aqui a dissertar todos estes pontos, mas de facto, estes temas são por si só extremamente debatidos dentro do meio, e conhecidos a nível nacional pelos meios de comunicação. Estes problemas são reais e precisam de uma estratégia, de uma solução, o mais rápido possível. Mas existem outros pilares que em muito irão beneficiar a arqueologia e são marcados por uma só palavra: acessibilidades.


Os três pilares que irei referir não são inéditos, têm vindo a ser praticados, mas não na sua capacidade total. Estamos a falar da digitalização, da conservação e da comunicação. Podem parecer temas distintos, mas todos eles têm uma conexão muito sólida e necessária para a arqueologia. Pretendo oferecer uma perspetiva diferente sobre estes temas aplicados ao património arqueológico, e como poderão ser mais úteis tanto aos profissionais, como à sociedade.


A digitalização do património arqueológico tem ganho muitos adeptos ao longo dos últimos anos. Várias intervenções contam com a fotogrametria e os modelos 3D (para constituir como alguns exemplos) para efetuar o registo arqueológico, permitindo uma melhor, mais pormenorizada e objetiva visualização dos locais.


Estes métodos de registo permitem uma melhor preservação dos vestígios e o acesso a muitos locais que, seja por fatores naturais ou humanos, podem ser destruídos ou ocultados. Especialmente no que à “conservação pelo registo” diz respeito. É a melhor forma de possibilitar à sociedade um melhor usufruto do património arqueológico que, infelizmente, não pode ser conservado in situ.


A “conservação pelo registo”, entende-se, é o ato de fotografar, descrever, desenhar e georreferenciar (entre outros processos) um determinado achado que posteriormente poderá ser destruído ou descartado para se continuar a intervenção no local. É algo muito usual nas intervenções de arqueologia e, supostamente, seria a exceção à regra, mas tem-se verificado o contrário. Não só a destruição destes vestígios impede um novo registo por novos métodos que vão surgindo, impede também uma nova interpretação. Pois a ciência e o conhecimento evoluem. Assim sendo, deve-se criar uma plataforma nacional onde os modelos 3D já existentes e futuros possam estar acessíveis tanto a profissionais como às comunidades.


Figura 1 - Modelo 3D do Castelo de Monsanto, disponível na plataforma sketchfab. Autoria: GEODRONE, 2022



A “conservação pelo registo” implica ainda a submissão de relatórios arqueológicos, onde todos os dados e a interpretação dos mesmos estão patentes. Embora a submissão de relatórios possa ser dificultada pela vida profissional dos arqueólogos, estes produtos científicos já submetidos deviam estar disponíveis num repositório nacional, à semelhança do que acontece em tantos outros países (por exemplo, o Archaeology Data Service no Reino Unido). Em Portugal, centenas, e é se não forem milhares de intervenções, são realizadas por ano e, apesar de não existirem certezas dos números oficiais de intervenções e os seus relatórios, é seguro afirmar que grande parte dos relatórios não estão disponíveis online.


Os relatórios estão concentrados na Direção-Geral do Património Cultural, em Lisboa. Apesar de (ainda) existirem Direções Regionais de Cultura, nem todas possuem relatórios das intervenções nas suas jurisdições e ass Câmaras Municipais onde se realizam as intervenções, nem sempre têm os relatórios correspondentes. Alguns relatórios podem ser encontrados no Portal do Arqueólogo e, graças à ação de muitos arqueólogos, alguns podem ser consultados em websites académicos. Mas existe, de facto, uma falta de redundâncias caso o pior venha a acontecer.


Precisamos de um repositório, onde todos os relatórios arqueológicos estejam disponíveis todos os dias. Os relatórios arqueológicos são uma ferramenta importantíssima que todos os dias é pouco e mal utilizada. Muita informação é desperdiçada. Muita informação é inacessível. É urgente democratizar o acesso a estas informações valiosas.




Figura 2 - Jogos de ciência para crianças continuam a perpetuar a desinformação sobre a arqueologia. Não só crianças acreditam que os arqueólogos escavam dinossauros, também os públicos adultos acreditam nessa informação. Autoria: Bruna R. Galamba, 2022.


Por fim, deve-se apostar, e de uma forma vigorosa, na comunicação da arqueologia em Portugal. É algo que tenho notado, talvez pela minha formação e contactos com públicos diversos, que muitos estigmas, mitos e desinformação existem e persistem sobre esta ciência. Todos os públicos apresentam um grau maior ou menor de informação incorreta sobre arqueologia. E estas incertezas provocam uma enorme desvalorização do setor. Se a sociedade não sabe ao certo o que um arqueólogo faz e qual a sua importância, como podemos exigir da sociedade o respeito pelo nosso trabalho e pelo património arqueológico?


Apesar de existirem inúmeras iniciativas um pouco por todo o território nacional, parece-me que algumas estão muito segmentadas a um público que já é interessado na temática, o que torna um pouco difícil aos outros públicos entenderem e conectarem-se às atividades propostas. Também os museus, as plataformas por excelência na comunicação da arqueologia, devem possuir exposições mais didáticas, mas, especialmente, devem ser mais intelectualmente acessíveis.


Por experiência, é complicado ter de explicar todos os nomes dados às cronologias, pois o público não é familiar com esses termos, e muitas exposições não especificam as suas balizas cronológicas. Mais preocupante é assumir que o público sabe diferenciar todos os tipos de ânforas Dressel (para dar um exemplo) ou qual a sua importância. A arqueologia, na forma como é comunicada passivamente, não é acessível intelectualmente.


Especialmente, agora que vivemos na dita era pós-Covid 19, conseguimos entender a força que o digital realmente tem e qual o seu potencial. Milhares de iniciativas mundiais deram a conhecer os seus museus, locais arqueológicos e coleções de forma digital. Poder utilizar o 3D e a realidade virtual no património arqueológico foi algo extremamente inovador. E é algo que devemos continuar a apostar ao longo dos próximos anos. Não só as visitas virtuais podem ser segmentadas para públicos diversos e assim adaptar o seu discurso de forma a ser intelectualmente acessível, estão disponíveis a qualquer hora e para qualquer pessoa com problemas de acessibilidade física (por exemplo, existem locais arqueológicos de difícil acesso).


E são estas noções que deixo para o futuro. A digitalização do património arqueológico, sejam os próprios locais, os museus, os dados e os relatórios é a melhor forma de democratizar o acesso por todos a esta ciência e ao seu património. Porque o património arqueológico é de todos nós. A comunidade científica não deveria ter entraves ao seu acesso, e especialmente, a sociedade também não devia ter.


A digitalização é o passo crucial para um acesso mais universal e que influencia e beneficia imenso a conservação do património arqueológico e a comunicação desta ciência. Existe claro, todo o tópico referente ao investimento necessário para este empreendimento (seja público ou privado), mas os primeiros passos já foram dados. Resta apenas reforçar essas práticas e insistir na criação das plataformas para acesso de todos.


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*Bruna Ramalho Galamba

Possui uma Licenciatura em Arqueologia pela NOVA FCSH (2019) e um Mestrado em Arqueologia pela NOVA FCSH (2022), com foco na história, arqueologia e arquitetura da Fortaleza de Santa Catarina de Ribamar (Portimão). Atualmente é estudante no Mestrado em Comunicação de Ciência pela NOVA FCSH.


Desde 2020 que é colaboradora no Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar – Direção de Infraestruturas do Exército e nesse mesmo ano começou a trabalhar para várias empresas e entidades ligadas ao património como o Centro Português de Geo-História e Pré-História, desde 2021. Em 2022 tornou-se docente do módulo “Museus e Arqueologia” na Pós-Graduação em Museologia pela Universidade Autónoma de Lisboa. Em 2023 tornou-se Investigadora Integrada Não-Doutorada no CHAM – Centro de Humanidades da NOVA FCSH.


A autora utiliza o novo acordo ortográfico.


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