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CASA DA PESCA: UM MONUMENTO NACIONAL EM RUÍNA


Nunca um título de uma notícia foi tão apropriado quanto este, numa altura em que decidimos retomar o tema da Casa da Pesca e do seu estado de degradação e abandono através da realização de uma nova petição pública em prol da sua recuperação.

Precisamente há oito anos publicámos, sob o mesmo título, uma pequena notícia que relatava o mau estado de conservação da Casa da Pesca, núcleo de recreio classificado de “Monumento Nacional” (1940/1953)[1]. A verdade, é que desde a publicação da notícia, nada foi feito para o salvaguardar … mas apresentemos este espaço:

A Casa da Pesca localiza-se na parte Norte da Quinta de recreio dos Marqueses de Pombal, em Oeiras, propriedade construída por Sebastião de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal (1699-1782), e pelos seus irmãos, Francisco Xavier de Mendonça (1701-1769) e Paulo António de Carvalho e Mendonça (1702-1770). A responsabilidade do projeto da Quinta, e possivelmente do espaço da Casa da Pesca tem sido atribuída ao arquiteto Carlos Mardel (c.1695-1763).

A Casa da Pesca é uma das diversas estruturas de recreio que se encontram na Quinta, a par das de apoio à exploração agrícola. Edificado entre a década de 60 e 70 do século XVIII, sendo então decorado ao gosto barroco, o núcleo é constituído por jardim, tanque, cascata e casa.

A melhor descrição que temos deste espaço, à luz do tempo em que foi edificado, é a do relato da visita de D. Maria I à Quinta dos Marqueses de Pombal, a 10 de Agosto de 1783,

(...) entrando na Formosa Rua dos Loureiros se foram gozando dela, mandando andar com vagar, até que chegando à Escada da Cascata grande, largaram os carrinhos, e subindo por ela louvaram a doçura dos degraus. Viram o Formoso Lago e depois, sentados, gozaram da Cascata correndo a água por mais de vinte minutos, e por muitas vezes repetiram Suas majestades o muito bem que lhes parecia a referida cascata, o Lago, e tudo mais que adorna aquele delicioso sitio”[2].

De facto, aquele “delicioso sitio”, que chegou aos nossos dias ainda com grande parte dos seus ornamentos originais, constitui sem qualquer sombra de dúvida “o recanto de prazer mais espectacular e cenográfico do século XVIII”, como a ele se referiu o historiador de arte José Meco[3], aludindo não só à disposição e organização do edificado e paisagem, como também ao património artístico que nele se conserva.

Edificado a oeste da ribeira da Laje, num recanto da encosta do vale, o conjunto da Casa da Pesca distribui-se por dois patamares: o primeiro, em cota baixa, onde se localiza o Jardim; e o segundo, em cota alta, onde encontramos a Cascata do Taveira e a Casa da Pesca, propriamente dita.

O Jardim encontra-se já muito descontextualizado do seu enquadramento e distribuição original, embora possua ainda alguns elementos da sua edificação original (pequeno lago, bancos, e alguma da vegetação), assim como a escadaria revestida de painéis de azulejo de padronagem pombalina polícroma, que permite o acesso à Cascata do Taveira. Esta é ladeada, ladeada por um painel de azulejos brancos e azul-cobalto com cenas mitológicas, de temática aquática, e de influência francesa dos pintores, Antoine Coypel (1661-1722) e Charles Antoine Coypel (1694-1752), respetivamente pai e filho. Estes azulejos são da autoria de Sebastião de Almeida (-), e terão sido produzidos na Fábrica do Rato na década de 70.

Dada a concentração de vegetação, que cresce de dia para dia, cujas raízes irrompem as estruturas existentes, além das inúmeras infiltrações, os painéis de azulejos já apresentam grandes fissuras e mesmo perda de coloração.

Defronte para a cascata encontra-se um tanque retangular alimentado por bica de três golfinhos esculpidos, e no qual as elites pescavam para seu deleite e recreio.

Anexo ao anfiteatro e cascata, no sentido sul, situa-se a Casa da Pesca, que dá nome ao conjunto, e que serviria para o repouso e recreio das elites. A arquitetura exterior é de grande simplicidade e feição clássica, contrapondo-se à decoração interior, de grande riqueza decorativa de gosto rocóco. Na sala de maior dimensão, as paredes e tecto são decorados por estuque de grande qualidade e temática alusiva à pesca, de autoria atribuída ao famoso estucador da época, Giovanni Grossi (1718-1781).

Infelizmente, a falta de obras de conservação e restauro levou a que grande parte do tecto já tenha perdido alguns dos seus elementos dadas as constantes infiltrações.

A par do estuque, decoram ainda os lambris das paredes, painéis de azulejos a azul e branco, possíveis cópias dos originais, com representação de cenas marítimas, cuja iconografia repete os modelos do pintor francês Claude Joseph Vernet (1714-1789).

Este espaço permaneceu na posse da família Pombal até 1939, ano em que vendem a Quinta ao jornalista Artur Brandão (1876-1960), e se desfazem do recheio do palácio. No ano seguinte, o Palácio dos marqueses de Pombal, abrangendo o jardim, Casa de Pesca e Cascata foram classificados de Monumento Nacional, embora tenha sido suspenso e revogado já em 1953, tal como referido anteriormente. Ainda assim, o regime de proteção e salvaguarda a que estava restrito não impediu, em 1958, a venda e “divisão” da quinta por dois proprietários, atribuindo-lhe por conseguinte nova designação. A sul, a Quinta de Baixo, constituída pelo Palácio e jardins anexos, foi adquirida pela Fundação Calouste Gulbenkian, encontrando-se desde 2003, na posse da Câmara Municipal de Oeiras. Já a norte, a Quinta de Cima, constituída por extensos terrenos onde se encontram estruturas de recreio e de apoio à exploração agrícola — Casa da Pesca, Cascata da Fonte do Ouro, Casa dos Bichos da Seda, Abegoaria, Pombal, Aqueduto, entre outros; foi adquirida pelo Estado, que ali construiu a Estação Agronómica Nacional, actual Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, pertencente ao Ministério da Agricultura.

Desde essa altura, sabemos que o conjunto da Casa da Pesca sofreu obras, em 1961, a fim de reparar o telhado e limpar a área envolvente, acções que foram realizadas pela Direcção-Geral de Monumentos Nacionais. Na década seguinte, a Casa foi ocupada por uma creche que ali se manteve até 1983, década em que a Direcção-Geral realizou pequenas obras de manutenção. Deste esta última data, a Casa da Pesca, jardim e Cascata não foram alvo de qualquer obra de conservação e restauro. Porém, a Camara Municipal de Oeiras, detentora do Palácio, elaborou um conjunto de planos de recuperação e salvaguarda em torno da Quinta, e que abrangiam a Casa da Pesca. Também o Ministério da Agricultura manteve um protocolo com o Município para cedência de espaço, sendo utilizado o jardim para espetáculos musicais, além de manter protocolos com outras entidades e associações.

Em 2016, um novo protocolo com o Município parecia dar resposta ao abandono e ruína da Casa da Pesca. Infelizmente, por razões que se prendem com políticas e regulamentos impostos pelo Estado ao seu próprio património, a cedência de espaço e respectiva gestão ao Município, não foi autorizada pelo Ministério das Finanças. Resta-nos supor que o Estado vê no Património cultural e histórico, que classifica, uma mais valia para rentabilizar os seus cofres, tal como tem vindo a fazer com o património que se encontra listado no programa REVIVE. Suspeitamos que existe claramente um interesse imobiliário não só sobre a Casa da Pesca, mas sobre toda a Quinta a norte, claramente afogada pela construção maciça que se assiste em Oeiras, às portas de Lisboa.

Face a esta situação gritante, em que um Monumento Nacional classificado é puramente esquecido, decidimos uma vez mais elaborar uma petição em prol da sua salvaguarda. Pretendemos que as instituições competentes tomem uma acção definitiva quanto à recuperação deste espaço, que realize todo um conjunto de obras de conservação e restauro, e que abra este espaço ao público para que todos os cidadãos usufruem do seu património histórico!

Resta-nos questionar de que serve um monumento classificado, quando nem sequer o regime de protecção é aplicado?!

(Referências abaixo das imagens)

A petição foi criada pela autora deste artigo, Cristina Gonçalves, historiadora e funcionária do Museu Condes de Castro Guimarães de Cascais, Paulo Ferrero do Fórum Cidadania Lx, membros do Fórum Cidadania Oeiras, com o apoio do grupo Gosto e Falo de Oeiras (Facebook).

Jardim – fotografias da autora, 2016

Jardim – fotografias da autora, 2016

Cascata do Taveira e Tanque – fotografias da autora, 2016

Casa da Pesca – interior, 2016– fotografias da autora

Casa da Pesca – interior, 2016 – fotografias da autora

Casa da Pesca – interior, 2016 – fotografias da autora

Referências:​

[1] A classificação da Casa da Pesca e Cascata encontra-se integrada na classificação do Palácio dos marqueses de Pombal, abrangendo o jardim por Decreto n.º 30762 de 26 de Setembro de 1940 (no Diário Geral, I Série, n.º 225). Este decreto foi suspenso pelo Decreto n.º 30838 de 1 de Novembro (Diário Geral, I Série, n.º 254) até que se cumprisse o disposto no art.º 25.º do Decreto n.º 20985 de 7 de Março de 1932 (Diário Geral, I Série, n.º 56). Face a esta suspensão, foi novamente classificada pelo Decreto n.º 39175 de 17 de Abril de 1953 (Diário Geral, I Série, n.º 177).

[2] In «Relação fiel exacta da visita feita por SS. MM. à Quinta d’Oeiras» em 16 de Agosto de 1783”. Transcrição do relato in SENA, Teresa - Reconciliação de D. Maria I com a casa de Oeiras. História, Lisboa: Nº49, Novembro de 1982, p.17. O original encontra-se nos Avisos Régios 1780-1799; Biblioteca Nacional de Portugal: Secção de Reservados, Colecção Pombalina, n.º 697 (cota: PBA 697), 1783, Vol.3, fls.97-103.

[3] MECO, José, O Palácio e a Quinta do Marquês de Pombal, em Oeiras (Algumas notas sobre a arte no tempo de Pombal). In SANTOS, Maria Helena Carvalho dos, Pombal revisitado: comunicações ao Colóquio Internacional organizado pela Comissão das Comemorações do 2º Centenário da Morte do Marquês de Pombal. Lisboa: Ed. Estampa, 1984, 2.ºvol., p.169.

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