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E o ano seguinte?


Estamos a finalizar o terceiro mês de 2018. Não se assustem, não são páginas do meu diário, que de resto há anos deixei de ter, que aqui vos trago. Começo com a referência a 2018, pois é o Ano Europeu do Património Cultural (http://europa.eu/cultural-heritage/about_pt).

Como já teve oportunidade de referir o coordenador nacional em Portugal, Guilherme d’Oliveira Martins, “ter Memória é respeitarmo-nos!” e “é um momento que tem a ver com a História e a Memória”. Acrescentaria eu, tem a ver com a importância da História e a construção da Memória.

A História e o seu ensino devem assumir uma relevância curricular cada vez mais presente. É um contributo essencial para o conhecimento das nossas raízes e para a sua valorização. A comunidade escolar, portanto não só os alunos, mas também, obviamente, com eles e por eles, deve ter o ensino da história como componente educativa forte e haver uma articulação cada vez mais estreita entre Educação e Cultura, de uma forma geral, não apenas nas políticas públicas para estes sectores, por muita importância que estas possam e devem ter. Uma complementaridade desejável entre instituições culturais e educativas, até mesmo entre as vertentes cultural e educativa de uma mesma instituição, como um museu por exemplo, independentemente de serem públicas ou privadas, num trabalho que se quer com mais coordenação e em rede feita de uma malha mais apertada, logo mais eficiente e eficaz.

O serviço público é uma missão que pode, e no limite deve a meu ver, ser desempenhado por todos, seja a título individual seja colectivo, quer a natureza das instituições seja estatal ou não estatal. É uma questão de cidadania, de participação activa na comunidade, tendo em vista o bem comum, de se aumentar os padrões de qualidade e elevar-se a fasquia da qualificação.

Se é fundamental um governo ter uma política cultural que sirva o interesse público, bem como todas as forças políticas, designadamente as que têm representação parlamentar, apresentarem os seus contributos construtivos e pela positiva no sentido de melhorar a política cultural nacional, se é fundamental, dizia eu, que sirvam o interesse público, dos cidadãos, do próprio património cultural, da criação artística que não lhe pode ser desassociada (até por que será património cultural no futuro), também é tão ou mais essencial o envolvimento da sociedade civil, com particular enfase à já referida comunidade educativa, mas com uma abrangência transversal, que vá desde os responsáveis das organizações culturais, os profissionais do sector, passando pelos mecenas, voluntários culturais, indo até ao cidadão comum.

A tal importância da História, na escola enquanto disciplina e na sociedade enquanto base, ou um dos pilares se quiserem, da construção da Memória, da identidade que nos diferencia enquanto Povo e Nação na Europa e num mundo cada vez mais globalizado. A diversidade deve ser tida como uma riqueza e não uma fonte de conflito. O Património Cultural como mensagem de Paz e moderação faz todo o sentido.

O Ano Europeu do Património Cultural tem uma programação específica para assinalar pela Europa o lugar que merecidamente deve ter o Património Cultural, material e imaterial, natural e digital. E depois desta evocação, das celebrações, o que resta? Quais as consequências concretas e duradouras no ano seguinte? E no próximo? E por aí em diante…

Há ruínas que o são, por excelência, nomeadamente os vestígios arqueológicos. Outras que não são só fruto da passagem do tempo, são o espelho da má utilização desse tempo, numa inversão de prioridades que urge organizar, uma atitude de desrespeito e desleixo que tem de ser combatida. O abandono, a falta de conversação, de restauro, de valorização que demasiado Património Cultural atravessa deve gerar, e em alguns casos felizmente já o faz, ondas de indignação e uma mobilização generalizada. Apesar do mérito na dedicação a esta causa e do deslumbre estético que constituem fotografias e livros como o “Portugal em ruínas”, de Gastão de Brito e Silva, seria excelente sinal que não existisse tanto material que tantas páginas tem preenchido. Essas ruínas são a materialização da incúria e da leviandade de certas mentes, de uma certa mentalidade, essa sim deve ser propositadamente arruinada, passar a pertencer a um passado não musealizável, que seja votado ao esquecimento, ainda que não apagado por completo da memória, para que não se repita.

O caminho que ainda há a percorrer é o que deve culminar na assunção inequívoca da importância real e estratégica do Património Cultural, e do sector cultural e criativo em geral. Para que seja cada vez mais rara a pergunta “e o ano seguinte?”. O Património Cultural, sob a sua diversidade e múltiplas formas, é parte integrante do futuro. O mote deste Ano Europeu é “Património: onde o passado encontra o futuro”. É futuro. Na teoria e na prática. Nas palavras e nos actos. De todos e de cada um de nós. Somos nós.

Exposição No Place Like Home, Museu Berardo. Can I Wash You? , João Pedro Vale (1999).

Fotografia de André de Soure Dores.

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