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Alguns dados estatísticos sobre os museus portugueses: contexto europeu e dinâmicas internas


(I) Orçamento e retorno social

Imersos como inevitavelmente estamos em cada presente, não possuímos na maior parte das vezes a capacidade de recuo para avaliarmos o carácter mais ou menos transitório ou definitivo das evoluções que nos rodeiam. Mais grave ainda, não conseguimos estabelecer em muitos casos uma boa articulação entre a perenidade dos princípios, que ora nos informam, ora nos deformam, e os “sinais do tempo”, que ora nos reformam, ora nos conformam.

A quantificação e em especial a estatística surgem nestes contextos como elementos indutores de racionalidade, podendo fornecer-nos orientações preciosas, postas ao serviço da acção prospectiva. É o que procuraremos fazer em três textos sucessivos, nos quais mais não visamos do que facultar alguns dados estatísticos sobre museus, património e cultura, em Portugal e na Europa. No essencial, trata-se de dados apresentados em sessão recente da Secção de Museus, Conservação e Restauro e Património Imaterial do Conselho Nacional de Cultura – a última do ponto de vista cronológico e presumivelmente a última do ponto de vista da presença do signatário na mesma. Ora, se pode admitir-se que, para citar o aforismo comum, “os números bem espremidos confessam tudo” – e o seu contrário, não deixa de ser menos verdade que dificilmente os podemos dispensar, se não nos quisermos deixar aprisionar nos limites estreitos dos nossos quintais e paróquias, das nossas rotinas, dos nossos interesses, enfim, das nossas obsessões.

E porque falamos de obsessões, comecemos pela que nos vem dizendo que o Estado onde toca estraga e por isso melhor será deixar que os animais humanos regressem à cadeia natural do poder, “porco com porco, veado com veado, chifre com chifre, casco com casco”, como dizia Kipling no seu Livro da Selva, explicando-nos a origem do medo – o medo natural, que precede o medo do Estado. Só que, ironicamente talvez, o medo do aqui e agora português, já não é o do Estado opressor ou sequer esbanjador – é simplesmente o do Estado falido. Um Estado incapaz de cumprir o desiderato bismarkiano da Europa social, prolongado até ao presente por força conjugada dos ímpetos ideológicos social-cristão e socialista ou social-democrata.

Mas será que o Estado português trata na sua suposta falência todos por igual ? Ou existem filhos e enteados ou, pior ainda, uma espécie de salve-se quem puder. Observemos por exemplo o Gráfico 1, relativo aos gastos com Educação em 2011, na percentagem do PIB, em diferentes países europeus, segundo os dados do Banco Mundial. Ressalta o posicionamento muito favorável de Portugal, francamente acima da média do conjunto dos países da União Europeia (EU27). Ou seja, em matéria de Educação podemos dizer que o Estado português cumpre, esforçadamente e com magnos erros talvez, mas cumpre a missão que lhe outorgam todos os que pagam impostos (queiram ou não ter Estado) e, dentro deles, especialmente aqueles que defendem, no plano ideológico, a bondade da sua existência e, no plano prático, a necessidade do seu papel social.

Gráfico 1

Já quanto à Cultura a situação é chocantemente diferente, conforme se expressa no Gráfico 2. Seja qual for o perímetro orçamental considerado (todas as verbas do OE para a Cultura, em diferentes ministérios, ou orçamento específico da área governativa da Cultura), ocupamos uma posição deplorável, quase vexatória no segundo caso (onde apenas conseguimos superar a Moldávia). E se do mísero orçamento da Cultura, retivermos apenas os museus, então, o montante resultante (5,4%) é verdadeiramente vestigial e sem qualquer comparação no plano europeu ou mesmo mundial, porque é bem conhecido como o investimento em museus constitui um dos principais elementos diferenciadores em muitos países ditos subdesenvolvidos.

Gráfico2

Acresce que a situação indicada piora de forma significativa em cada ano que passa. No Gráfico 3 apresenta-se a evolução do orçamento do Ministério / Secretaria de Estado da Cultura entre 2000 e 2013… um declínio constante, um mero desconsolo devido a insensibilidade ou inconsciência, para alguns, uma declarada intenção para outros, aqueles que observam como noutros domínios da vida social a retirada do Estado visa abrir espaço para o florescimento do negócio privado.

Gráfico 3

Negócio ? Mas existirá viabilidade de negócio na área da Cultura e especificamente na dos museus ? Não estarão os portugueses tão, tão afastados dos museus e da cultura em geral que não existe aí margem para negócio ? A resposta poderia ser afirmativa, sob determinada óptica. Basta referir a posição portuguesa em recente (Novembro de 2013) Eurobarómetro sobre hábitos culturais, que nos coloca no fim, ou quase, em todos os domínios observados. Mas a resposta pode também ser negativa sob pontos de vista diversos, como aliás bem testemunha o êxito comercial das exposições de ambição blockbuster que ultimamente têm sido realizadas em aparente parceria entre agentes privados e museus públicos – e cuja avaliação está ainda por fazer, até porque estranhamente não se divulgam os contratos que as suportam.

Mas a negativa da resposta, ou seja, o reconhecimento da existência de “indicadores de mercado” favoráveis, poderá alicerçar-se em dados muito mais relevantes, como os que apresentamos nos Gráficos 4 e 5, referentes ao número de visitantes a museus na Europa, por 100 mil habitantes. No primeiro, considera-se a totalidade de visitantes; no segundo excluem-se as entradas gratuitas. Ora, o que se verifica é que a posição portuguesa é sempre muito razoável, colada à média europeia no segundo caso, um pouco mais afastada, no primeiro. É certo que nestes números estão incluídos também os visitantes estrangeiros e o segmento infanto-juvenil, podendo admitir-se que se considerássemos somente os adultos nacionais, pudessem os dados ser menos favoráveis. Mas ainda assim subsiste a conclusão que existem em Portugal índices interessantes de visita a museus, seguramente capazes até de suportar alguns negócios.

Gráfico 4

Gráfico 5

Aprofundemos, no entanto, os dados anteriores. Retenhamos o factor da gratuitidade, que tão polémico se revela junto de mentes especialmente avessas aos serviços públicos universais e tendencialmente gratuitos, porque, segundo dizem, provavelmente a começar pelo ar que respiram ou pelas bibliotecas que (não) frequentam, apenas se dá valor ao que se paga. Haverá entre nós excesso de gratuidades em museus ? Já os gráficos anteriores nos tinham demonstrado que não, porque nos situamos aí abaixo da média europeia. O Gráfico 6 reforça-o, comprovando que estamos em linha com a média europeia e mesmo muito abaixo, se nela incluíssemos casos como o Reino Unido, onde foi politicamente tomada há mais de uma década a decisão de tornar gratuitos todos os museus nacionais – de resto, com enormes vantagens económicas globais e até para os museus envolvidos, como o comprovam todos os estudos realizados (a tal ponto que o governo Tory foi obrigado a recuar na sua intenção ideológica de voltar a cobrar entradas nos museus, rendido aos benefícios do mercado…).

Gráfico 6

Existe, pois, em Portugal já hoje um potencial mercado dos museus que justifica alguns apetites de negócio. E imagine-se o que poderá ser no futuro, com visão mais ousada da instituição-museu, enquanto agente fautor de cidade. Se assim fosse, haveria maior lugar para o investimento privado, certamente, mas também mais se justificaria, na óptica do Estado social, um substancial reforço do sector (a menos que se defenda o princípio de que tudo o que dá lucro deve ser privado, ficando para o Estado tudo o que só dá prejuízo).

Não se estranhe o que dizemos quanto a oportunidades de negócio. Por mais estranho que pareça, os portugueses, em boa verdade, por alheados que estejam da cultura e dos museus, revelam sinais de grande apego aos mesmos, como se comprova pelo Gráfico 7, com que terminamos esta deambulação. Atentas as paridades do poder de compra, os preços dos bilhetes de museus no nosso país são dos mais caros entre o conjunto dos países de que lográmos obter dados, onde apenas somos suplantados pela Grécia, que revela situação muito mais infeliz do que a nossa, influenciada talvez pela necessidade de extorquir dinheiro aos turistas estrangeiros. E mesmo assim temos indicadores de visita muito razoáveis. Curioso, no mínimo.

Gráfico 7

Ou seja: longe de constituírem um pesado fardo, os museus poderiam ser vistos como oportunidades interessantes de investimento, por parte de privados e sobretudo pelo Estado. É que para além do principal – a qualidade de vida, a formação de cidadania, a coesão nacional – pode neles antecipar-se relevante retorno económico geral. Não acreditam ? Façam uma análise SWOT.

Parte II e III a publicar a 4 e 11 de Março, respectivamente.

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