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Fazer Património


Pedem-me para que diga alguma coisa sobre activação de património.

Mas que voz podem querer aqui, sem autoridade, sem galões, sem a ciência ou a doxa a blindar-me o discurso? Que legitimidade seria essa? A legitimidade de quem faz, de quem está no terreno, com a mão na massa, respondem, gentis. Bom, engasgo. Sim, quinze anos na produção cultural, quase sempre ligado ao património, edificado ou imaterial, reavivando ou recuperando o do passado, ou construindo o de amanhã. Bem posso largar tibiezas e subir ao speakers’ corner. Na verdade, acho que ficaram impressionados com a aventura do “Lisboa, quem és tu?”, um projecto inovador nos moldes em que foi feito. É um espectáculo multimédia no Castelo S. Jorge, diário, de financiamento inteiramente privado, procurando a auto-sustentabilidade junto de um público composto por locais e por turistas. Que procurou um novo caminho no seu financiamento, agora que o paradigma de subvenção pública se esboroa. E que enveredou por uma lógica de intervenção contemporânea, em vez da costumeira recriação de época. O projecto surgiu na empresa que fundei, na sequência de uma série de projectos multimédia em património monumental, que conduziram naturalmente ao domínio dos problemas técnicos, artísticos e orçamentais deste tipo de projectos. E a reflexão sobre o carácter sustentável foi apurando paulatinamente. O processo conduziu à criação de uma empresa nova, dadas as necessidades de investimento, captado através da abertura a novos sócios, investidores e participantes na estrutura accionista que financiou o capital inicial necessário. Cheios de ânimo, lançámo-nos na missão de qualificar e diversificar a oferta turística de Lisboa, animar o património monumental e divulgar a história local, ligando emocionalmente as pessoas à cidade. Com a visão de que poderemos ser referência internacional na animação do património monumental, com criação artística e inovação tecnológica, produzindo conteúdos que expressem narrativas e universos locais, indo ao encontro do desejo universal do viajante: experiência, autenticidade e aprendizagem. E assim tão simplesmente, propusemo-nos a oferecer um produto único e inovador, aliando as artes multimédia, o turismo e o património. A promover a notoriedade de Lisboa, procurando alcançar visibilidade internacional. A proporcionar retorno aos investidores e aos parceiros de produção e promoção. Sempre com o objectivo de alcançar um modelo de espectáculo/produto turístico replicável, que permita a sua expansão, diversificação e internacionalização. E lá estamos, a tentar. Mas penso que o repto lançado não era só o de partilhar como tem sido esta experiência, mas o que podemos fazer para activar património, hoje, amanhã. E a resposta está, para mim, contida na pergunta. Fazer. Fazer, tão simplesmente, fazer. Tomar em mãos e passar à acção. Tornar nosso o que é nosso. E partilhá-lo o mais possível. Tornando-o apelativo, consistente, completo, tanto que o seja para o maior número de pessoas. O castelo, o bairro, a arte, a comida, a história, enfim: tem valor, significado, tem o nosso ADN lá contido? Pois que se saiba e que se viva. Que se abram as portas. Que tenhamos o saber fazer de o tornar interessante o suficiente para que o seja para todos. Fórmulas? Era bom… O Estado, o mercado? Não sei… Sei que é estando nos lugares, sabendo sobre eles, trabalhando neles, que os podemos desenvolver. Que podemos envolver os outros, não como consumidores, mas como participantes. Em vez de trabalharmos para as pessoas, trabalharmos com as pessoas. Sei que para que uma história agrade a muitos, tem que ter vários pontos de interesse. Com várias histórias dentro. Tem que ser uma experiência completa. Variada. Divertida. Densa. Que junte razão e emoção. Uma fórmula que me tem acompanhado, desde a primeira palestra dos primeiros estudos de gestão cultural, foi-me proposta pelo Eduard Delgado, mentor catalão: que a gestão cultural é a gestão do conflito permanente entre subjectivo e objectivo, entre flexibilidade e controlo, entre sonho e razão. E que esse conflito é aparente, e cabe aos gestores culturais compreendê-lo e geri-lo. Pois assim seja. Assim saibamos abrir o património sem o desvirtuar, explorar sem desgastar, dar-lhe golpe de asa mantendo-lhe a integridade. Chegou a nós porque tem alma. Haja alma para vivê-lo. E para fazer mais.

Making of: "Lisboa, Quem és tu?"

Imagens do espectáculo "Lisboa, Quem és tu?"

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